"De onde vêm os bebés?" A pergunta embaraçosa surge nos momentos em que se está mais desprevenido, ou seja, em qualquer altura. Mas temos sempre o mito da cegonha, popularizado por um conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, como recurso imediato para resolver o constrangimento. Embora seja originária da Europa, a lenda dessas esbeltas aves brancas que transportam os bebés com uma fralda entrelaçada no bico, tem um apelo universal, pelo obséquio que fez e faz a muitos pais por este mundo fora, ao mascarar temporariamente a complexidade e desconforto de se explicar a procriação às crianças..[youtube:ZENmkJk9fBM].Inspirada então nessa fábula antiga, a animação Cegonhas, que está nas salas a partir de hoje, regressa ao mito, atualizando-o através de uma industrialização do conceito. No fundo, este filme de Doug Sweetland e Nicholas Stoller (Um Belo Par... de Patins) acaba por refletir a própria natureza mainstream de muitos dos produtos que saem hoje em dia dos grandes estúdios de animação, a saber: narrativas repletas de imbróglios e gags de fraca centelha humorística (no caso, temos apenas dois momentos excecionais). É, enfim, uma moda que parece ter vindo para ficar durante algum tempo..A história de Cegonhas começa por convocar a nostalgia, ao mostrar a transição que se deu no serviço de entrega de bebés para o atual formato, que distribui tudo e mais alguma coisa (ao estilo da Amazon), correspondendo às necessidades da sociedade materialista. Uma das cegonhas da gigantesca empresa, Junior, acabado de ser promovido a chefe, e incumbido de despedir o único ser humano que lá trabalha, depara-se com um inesperado prenúncio de aventura: a entrega de um bebé, quase vinte anos depois de tal atividade exclusiva ter cessado e se convertido num assunto proibido entre as aves transportadoras. Quem ativou o pedido foi um menino solitário que está desejoso de ter um irmãozinho, e quem se alia a Junior na arrojada expedição é Tulip, a jovem adulta humana que cresceu entre as cegonhas, e que o suposto novo chefe deveria demitir, pela inaptidão que ela demonstra para o ofício... A postos para a ação, o filme entra numa já familiar espiral de adversidades que retardam a chegada segura da ternurenta encomenda ao domicílio, e nesse período exaustivo só duas façanhas criativas valem a pena - curiosamente, nenhuma delas é de cegonhas... Os lobos e os pinguins são protagonistas das cenas mais conseguidas do filme, operando como artistas de circo, numa dança para roubar o bebé..Sendo um produto demasiado infantil até para algumas crianças mais crescidas, apesar dos malabarismos narrativos, Cegonhas deixa-se ficar num certo limbo de entusiasmo, apenas suplantado pelo marketing à sua volta. É de tal maneira infantil que, em Portugal, só se conhecerá a versão dobrada. E nesse aspeto, não se pode deixar de reconhecer e aplaudir o trabalho de vozes por detrás das personagens animadas, como a de Leonor Seixas, Manuel Marques, Quimbé, e, sobretudo, Nuno Markl, a rabugenta e sentimental cegonha Júnior.