Cecília Meireles. Uma tarde na conserveira que ainda vive um caso de amor
Depois do almoço, as trabalhadoras já estão no processo de enlatar as sardinhas: colocam nas latas camas de legumes ou molho de tomate, conforme a receita. Outras cortam o peixe à medida para que caiba na lata - e fazem-no sem olhar, mas a métrica bate certinha, algumas já levam 20, 30, 40 anos disto e fariam o trabalho de olhos fechados, com a garantia de que nunca passará uma sardinha moída ou em más condições. Desde que chega da lota até à lata não passam mais de oito horas.
Nesta tarde de 11 junho, a conserveira Pinhais, em Matosinhos, no distrito do Porto, está em plena laboração. Hoje recebe a visita da deputada do CDS Cecília Meireles, que ali se desloca no âmbito das suas competências enquanto eleita pelo círculo do Porto, o denominado "contacto com o eleitorado" para o qual o Parlamento reserva geralmente as segundas-feiras. Uma forma de os deputados descobrirem no terreno, em contacto com instituições e entidades locais, o que vai mal, as consequências de determinadas leis e que tipo de iniciativas podem tomar para resolver as questões, seja através de iniciativas legislativas seja de perguntas ao governo.
Neste caso, Cecília Meireles não recebeu muitas queixas de quem a acolheu. "Também temos de mostrar os bons exemplos", diria no final da visita. Ali encontrou um processo de produção manual igual ao de 1920, quando a empresa foi fundada, como se andássemos para trás numa máquina do tempo. Essa é a filosofia do negócio, que exporta 90% da produção, tendo como principais destinos a Dinamarca, a Itália e o Japão. O que fica por cá só se encontra em lojas gourmet, como por exemplo no El Corte Inglés. "O nosso produto é único, não há duas latas iguais, por isso é mais caro, como qualquer produto artesanal", explica Nuno Rocha, diretor comercial da conserveira de Matosinhos. É um negócio de nicho, até porque o processo de produção implica uma capacidade limitada - 3,5 milhões de latas por ano.
Até o design das latas se mantém. A embalagem da marca Nuri é a mesma desde 1934. Mas o nome tem vindo ao longo de décadas a alimentar especulações. Teria, em tempos, havido uma paixão por uma Núria? Quem defende esta versão consegue ver um A de amor no N de Núria. A outra versão é menos romântica, logo menos interessante: nuri será uma palavra magrebina que significa brilhante, luz.
Um caso de resistência em Matosinhos, onde noutros tempos chegou a existir cerca de meia centena de conserveiras. Nuno Rocha considera que a estratégia de baixar preços levou também à baixa de qualidade e que por isso perderam para a forte concorrência do Sudeste Asiático. "As quotas para a pesca impostas pela União Europeia foram a machadada final."
Cecília Meireles visitou a Pinhais num dia de festa - Fernanda Barbosa fazia 65 anos e nesse dia, ao fim de 43, deixaria de ali trabalhar. Ia para a reforma. Houve bolo, Parabéns, "...e quem não salta!", abraços e lágrimas. Afinal, foi uma vida na conserveira, a dela e a de muitas outras - hoje são cerca de 90 na produção. Ali casaram, tiveram filhos, netos, amadureceram e envelheceram e viram as suas mãos ficar defeituosas de tanto manejarem a sardinha. "É muito amor, muita amizade. Vou ter saudades."
Na sala de convívio, Maria da Conceição, 77 anos, divide-se entre atenção aos trabalhos manuais e as recordações. Mesmo que o corpo lhe tenha rejeitado as gravidezes e o destino lhe tenha trazido a viuvez aos 38 anos, não se queixa. Criou uma menina que hoje vive no estrangeiro e é psicóloga, a "sua" filha. "Tive uma vida bonita!" No Centro de Dia e Lar de Idosos Padre Américo, em Paço do Sousa, Penafiel, é quase hora de almoço, as funcionárias vão colocando nas mesas os medicamentos de cada utente, um processo meticuloso que já passou pela enfermaria.
No dia em que terão a companhia da deputada democrata-cristã ao almoço, a ementa é um cozido à portuguesa, com muita carne branca. Antes de Matosinhos, Cecília Meireles visitou a instituição, que funciona desde setembro do ano passado, com ótimas condições, mas que continua à espera de acordos com a Segurança Social. E aqui, como não podia deixar de ser, Cecília Meireles ouviu queixas e concordou que não faz sentido a espera que impede idosos de usufruir deste serviço. Prometeu mesmo que irá fazer uma pergunta ao ministro Vieira da Silva.
À entrada do lar, um edifício moderno com vidraças que traz a paisagem magnífica para dentro de casa, vê-se uma árvore desenhada na parede com a foto da família que ali está, desde utentes a trabalhadores da instituição. E ganha força a frase: "A família é como uma árvore, todos crescemos em diferentes direções, mas a nossa raiz continua a ser a mesma."
Uma família que os responsáveis do lar gostavam de ver crescer, porque ainda não está esgotada a capacidade. As contas fazem-se assim: 17 idosos a residirem, entre os quais dois casais, nove no centro de dia e sete apoios domiciliários. O lar tem capacidade para acolher em permanência 28 pessoas, mas uma vez que ainda não tem acordos com a Segurança Social, cobra entre 1100 e 1200 euros por utente.
Uma situação que António Costa, presidente da Associação de Desenvolvimento da Vila de Paço de Sousa, que gere o lar, considera inaceitável, pois há uma extensa lista de pessoas que não têm possibilidades de pagar este valor, ao mesmo tempo que poderia baixar as mensalidade atuais. O atraso nos apoios do Estado estarão relacionados com a derrapagem nos prazos de entrada em funcionamento, por causa da falência do construtor. Mas há quase ano que estão de portas abertas e nada. "O que é que se pode esperar de um governo cuja palavra de ordem é a cativação?", questiona António Costa.
Agora, candidatou-se a fornecer refeições escolares. Afinal, seria uma forma de rentabilizar a cozinha e o quadro de funcionários - 15, mais os quatro voluntários que integram a direção. Lá dentro vivem em permanência apenas 17 idosos.