CDS. Assunção mais suave na oposição e centrada em propostas
Assunção Cristas sempre teve o condão, ou o engenho, de irritar o primeiro-ministro nos debates quinzenais. Disparava os números e as críticas num tom que António Costa não digeria com facilidade. Na passada quinta-feira, a líder centrista voltou à saúde, tema preferencial de desgaste do governo, mas o tom foi muito diferente. De tal modo que Costa também lhe devolveu a resposta em português suave.
Mas será esta mudança uma estratégia definida, após o desaire eleitoral do CDS nas europeias? O deputado João Rebelo, que é um dos apoiantes de Assunção Cristas desde a primeira hora, admite que o eleitorado pode ter penalizado o partido por a líder ter feito passar uma imagem de que é "muito dura" e encrespada no confronto político. "Mas é profundamente injusto!", afirma o deputado centrista, e faz apelo à campanha que Assunção fez como cabeça-de-lista em Lisboa nas eleições autárquicas, que a colocaram à frente do PSD e na quais foi muito afetuosa com os lisboetas. Admite, no entanto, que as duas moções de censura apresentadas pelo partido "permitiram a António Costa vitimizar-se e deram a impressão de que Assunção Cristas só falava das coisas que estavam a correr mal, só cavalgava os problemas quando apresentamos vários pacotes de medidas".
Esse diagnóstico foi feito no Conselho Nacional do CDS, onde as vozes críticas à liderança de Assunção se fizeram ouvir, nomeadamente pelo ex-deputado Filipe Lobo D'Ávila. Mudança de estratégia foi uma exigência, num partido que está em tensão desde que se ficou pelos 6,21% nas europeias, um único eurodeputado, Nuno Melo, quando a expectativa era a de eleger pelo menos o segundo, Pedro Mota Soares. Ambos são vistos, nos setores críticos, como reservas, caso a vida do partido a 6 de outubro - data das próximas legislativas - corra mal.
O líder parlamentar do CDS afasta ao DN a ideia de pressão sobre a presidente do partido, mas admite que "o partido ficou triste com o resultado das europeias", mas insiste que "o resultado é de todos". Esta insistência tem razão de ser. Houve notícias de que Assunção teria imputado essa responsabilidade a Nuno Melo. "Não é verdade, a responsabilidade é de todos!", frisa Nuno Magalhães.
A verdade é que o eurodeputado centrista eleito acusou o toque em resposta a críticas de João Taborda da Gama, antigo secretário de Estado do último governo de coligação PSD-CDS. Numa publicação no Facebook, Melo assumiu a responsabilidade e repartiu-a com a direção. E foi mais longe ao dizer que a gestão do dossiê crise dos professores teria prejudicado mais a campanha - palavras que revelam desconforto interno.
Mas se a mudança de estratégia da direção do CDS está já a acontecer, também é assumida de forma suave. O líder parlamentar centrista mantém que o CDS fará uma oposição "assertiva", focada nas medidas que o partido defende para o país. Aos que criticam a imagem de "cata-vento" da direção nas críticas ao executivo, Nuno Magalhães lembra que há "causas bem identificadas" do CDS, partido que diz de centro-direita ou de direita moderada, aberto a correntes conservadoras e liberais. E que causas são essas que se tornarão bandeira do programa eleitoral? Natalidade, demografia, apoio aos idosos, segurança e agricultura.
Nuno Magalhães é muito enfático a garantir que, apesar de o partido se ter sobressaltado a 26 de maio, "está todo unido" para que a 6 de outubro recupere e tenha uma boa votação.
Assunção tem um desafio pesado pela frente. Ainda mais pesado porque no último congresso prometeu que o CDS seria o partido vencedor nas legislativas. A líder do CDS parte de uma base de 18 deputados, da eleição de 2015 em coligação com o PSD. Mas se formos a 2011, quando Paulo Portas ainda se aventurou sozinho nas urnas, para depois dar a mão a Passos Coelho, o partido teve 11,7% dos votos e 24 deputados. É a este número que muitos vão estar a apontar.
Assunção Cristas vai assim estar sob pressão nestes próximos quatro meses, mesmo que o partido "esteja unido". Há vozes críticas que dizem que as várias "correntes portistas" começam a olhar para figuras como Nuno Melo ou mesmo Pedro Mota Soares como alternativas a Assunção Cristas se os resultados eleitorais não forem os esperados.
Nas europeias apontam para a fragilidade das estruturas locais do partido e para a aposta numa versão "casual party" (partido casual), que cola mais com o PSD do que com o CDS. "As pessoas que vieram para o CDS vieram porque era diferente, porque tinha uma doutrina ideológica clara", afirma um destacado militante centrista .
O antigo deputado Filipe Lobo D"Ávila, do grupo Juntos pelo Futuro, que apresentou uma lista ao Conselho Nacional no último congresso, foi dos que ficaram "chocados" com o resultado das europeias e pediu uma reflexão profunda no partido sobre a estratégia de futuro.
Ao DN, disse o que esteve errado: "O CDS tem procurado falar sobre tudo e quando queremos falar sobre tudo é difícil as pessoas cá fora, sem ser as da claque partidária, perceberem o que queremos." Sem pôr em causa a liderança, pelo menos até às legislativas. Diz que é preciso focarem-se e identificar as principais propostas para o país. "Além disso, houve dossiês que causaram grande dano à imagem do partido, como o dos professores", frisa.
Outro erro que aponta à direção de Cristas foi o facto de ter anunciado os cabeças-de-lista às legislativas - a maioria dos deputados vão pelos vários distritos - em plena campanha para as europeias. "Isso dividiu mais o partido em véspera de eleições", garante Filipe Lobo D"Ávila.
Agora espera, e foi esse o desafio que lançou à presidente do partido, que o CDS encontre "causas"e as torne percetíveis ao seu eleitorado. É esse o engenho e a arte que se espera de Cristas, caso contrário estará na barreira oposta a 6 de outubro.
Há também fontes do partido que dizem que outra tendência que foi muito ativa no tempo de Paulo Portas, sempre vigilante nas críticas, como Alternativa a Responsabilidade já tem descontentes à espera de pedir a cabeça da líder se o CDS acabar por "definhar".
Assunção tinha conseguido "abraçar" esta tendência e estancar as críticas que eram recorrentes a Paulo Portas, e o seu porta-voz, Filipe Anacoreta Correia, até concorreu nas listas em 2015. Agora é também líder da lista por Viana do Castelo.
Neste momento, a tendência mais ativa é a Esperança e Movimento, a ala mais conservadora do CDS. O seu porta-voz é muito direto a pedir uma medida profilática a Assunção. Abel Matos Santos pede que Adolfo Mesquita Nunes, que foi recentemente nomeado para administrador não executivo na GALP, seja afastado da coordenação do programa eleitoral. "Adolfo deve demitir-se!", diz, porque "isso vai prejudicar o partido na campanha eleitoral". Justifica: "Quando se for discutir as propostas para energia, o que é que ele faz? Afasta-se?"
Abel Matos Santos, que já tinha previsto um mau resultado nas europeias, fruto da "falta de valores" do CDS, diz que ainda há tempo para Assunção Cristas se "recentrar" e "unir" todo o partido. Diz, como os restantes críticos, que é preciso encontrar as causas e, nesse sentido, aplaude a proposta apresentada pela líder no debate quinzenal sobre as primeiras consultas de especialidade poderem ser dadas no setor privado e social.
Mas adverte: "Não são só as propostas, temos de apontar ao futuro do país que queremos e fugir dessa coisa do centro que não é rigorosamente nada. O CDS tem um capital ideológico forte em que Assunção pode resguardar-se e apontar como caminho."