Caxemira: questão não é Índia retaliar, mas sim com que fúria

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O problema de Caxemira, cuja soberania é disputada por potências nucleares, começa pelo seu simbolismo, com o K inicial (em inglês) a ser a terceira letra do nome inventado para pátria dos muçulmanos da Índia ainda na era colonial britânica, esse Paquistão (Pakistan) ou "País dos Puros" nascido finalmente em 1947. Já para a União Indiana, a moderna Índia também independente desde 1947, Caxemira é a prova da diversidade, pois é o único estado que tem maioria muçulmana num país esmagadoramente hindu, mas orgulhoso de ser pátria de outras religiões, de sikhs a cristãos.

Também há muitas culpas no atual estado de coisas do marajá Hari Singh, um hindu soberano de uma população diversa mas sobretudo muçulmana, que na hora de decidir entre o Paquistão e a Índia se sentiu tentado a declarar ele próprio a independência e só apelou a Nova Deli já os combatentes tribais pastunes invadiam o reino. Seguiu-se a primeira das três guerras indo-paquistanesas, que levou a uma divisão até hoje de Caxemira que nenhum dos países reconhece e está proibida nos mapas vendidos dentro de fronteiras .

A morte logo em 1948 de Mohammed Ali Jinnah, o fundador do Paquistão, também contribuiu para a eternização do problema, pois para os regimes militares que se seguiram Caxemira passou a ser território a reconquistar. E, do lado indiano, Jawaharlal Nehru - primeiro-ministro quase duas décadas - se orgulhar de vir de uma família de panditas do vale de Caxemira serviu para relembrar que o islão não era ali exclusivo.

Na quinta-feira, um bombista suicida matou 40 paramilitares indianos em Jammu e em Caxemira. O ataque foi organizado pelo Jaish-e-Mohammad, grupo que usa o Paquistão como base de retaguarda. Islamabad rejeita responsabilidades e acusa a Índia de ocupação brutal do território com meio milhão de soldados, Nova Deli insiste que o Paquistão protege terroristas. Não há dúvida de que se seguirá uma retaliação indiana, mas qual?

O potencial nuclear dos dois países em choque, assim como o seu histórico de guerras, aconselha a que o mundo ajude a resolver este conflito, o mais antigo com capacetes-azuis da ONU. Os líderes paquistaneses e indianos não são suicidas, mas estão sob grande pressão interna: Imran Khan é um primeiro-ministro que quer desenvolver o país mas não se pode dar ao luxo de hostilizar os militares ou parecer fraco perante a Índia; Narendra Modi, que enfrenta eleições em breve, tem consciência também de que o eleitorado - e não só os nacionalistas hindus - espera dureza.

E a isto tudo se soma o jihadismo global, que desde 1989 e a transferência via Himalaias de mujaedines afegãos ganha terreno sobre o islão moderado em Caxemira, os interesses de uma China sólida aliada do Paquistão e a estratégia de uns Estados Unidos que são cada vez mais pró-Índia.

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