Cátedra Agostinho Neto é a primeira de uma ex-colónia em Portugal

Faculdade de Letras da Universidade do Porto vai estudar e divulgar a obra literária do primeiro presidente de Angola, com o apoio da angolana Fundação Agostinho Neto.
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Resultado de um protocolo entre a Fundação Agostinho Neto e a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a cátedra Agostinho Neto foi criada na terça-feira, dia 10, e está já em prática com o objetivo de divulgar e estudar a obra literária do angolano que foi o primeiro Presidente da República de Angola. "Tem um simbolismo importante, já que é a primeira vez que uma ex-colónia cria uma estrutura em Portugal para promover uma obra cultural. Há várias cátedras portuguesas fora, seja de José Saramago, Fernando Pessoa, Camões, mas não havia nenhuma de um escritor de uma antiga colónia em Portugal", disse ao DN Francisco Topa, professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto que organizou o colóquio que foi central para a concretização deste protocolo.

Foi quando preparava a organização do colóquio "Agostinho Neto e os prémios Camões africanos" que o professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), efetuou contactos com a Fundação Agostinho Neto, presidida pela viúva Maria Eugénia Neto, e percebeu o desejo desta instituição em promover em Portugal uma maior atenção à obra literária do primeiro presidente (11 de novembro de 1975 a 10 de setembro de 1979) da República de Angola. Agostinho Neto, médico e político, foi também um escritor, sobretudo de poesia.

"Foi um poeta, com os poemas a serem escritos em meados dos anos 1960. Depois, não escreve mais. Deixou também alguns texto com outra dimensão do pensamento, sobre cultura e outros temas. Tem uma obra curta mas importante, por aquilo que anunciou com o abrir de um novo caminho na literatura angolana. Além disso, antecipou de certa forma a luta pelas independências que se seguiram", explicou ao DN o professor Francisco Topa.

A obra literária de Agostinho Neto está publicada em Portugal em dois livros. "Sagrada Esperança" foi publicado em 1974, depois do 25 de Abril, pela Sá da Costa, enquanto "A Renúncia Impossível" foi editado em 1982, já a título póstumo, pela Imprensa Nacional Casa da Moeda. "A primeira edição em livro de textos de Agostinho Neto foi em 1963, em Itália, numa edição bilingue", recorda Francisco Topa. Ainda há uma coletânea "Amanhecer", publicada em Angola.

A cátedra irá permitir a divulgação desta obra literária e, sobretudo, fazer investigação na FLUP. Consiste num apoio financeiro da fundação angolana e, apesar de se centrar em Agostinho Neto, não se ficará pela obra deste autor, procurando também investigar a literatura e cultura angolanas.

O colóquio, que durante dois dias reuniu no Porto escritores e autores angolanos e portugueses, procurou assinalar os 40 anos da morte de Agostinho Neto e dar destaque aos seis escritores africanos que já foram distinguidos com o Prémio Camões: José Craveirinha (1991), Pepetela (1997), José Luandino Vieira (2006), Arménio Vieira (2009), Mia Couto (2013) e Germano Almeida (2018). São dois moçambicanos - Craveirinha (o único que já faleceu) e Mia Couto -, dois angolanos - Luandino Vieira e Pepetela -, e dois cabo-verdianos, Arménio Vieira e Germano Almeida.

Francisco Topa considera que estes escritores não estão muito bem divulgados em Portugal, daí a realização deste colóquio. "A literatura africana teve a seguir ao 25 de Abril, fruto de um espírito militante da época, um grande interesse em Portugal. Mas apagou-se nos anos 1980. Há escritores com mais leitores, casos do Mia Couto e do Pepetela, mas as obras do Germano Almeida ou do angolano Ondjaki deviam ser mais conhecidas", diz o professor da FLUP, convencido que esta literatura de língua portuguesa não tem mais sucesso em Portugal "por não corresponder exatamente ao que o público português pensa que seja África". Além destas ideias pré-concebidas, "a distribuição é sempre um problema".

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