Catarina Sarmento e Castro. De juíza chumbada para o TC a ministra
Jurista formada em Coimbra, antiga juíza do Tribunal Constitucional, Catarina Sarmento e Castro é um nome em ascensão no Executivo. Depois de dois anos na secretaria de Estado dos Antigos Combatentes (na tutela da Defesa), passa agora a titular do ministério da Justiça.
Juíza-conselheira do TC durante nove anos, Catarina Sarmento e Castro foi, em 2009, protagonista de um chumbo então inédito. Se nos últimos anos se repetiram na Assembleia da República casos de nomeados que acabaram por não conseguir a necessária votação parlamentar - nomeadamente para o Palácio Ratton - há mais de uma década o acordo de cavalheiros entre PS e PSD ainda não tinha aberto brechas. Os dois partidos decidiam entre si os nomeados para as várias entidades cujos membros são escolhidos pelos deputados, e socialistas e sociais-democratas votavam disciplinadamente (por voto secreto) nos candidatos apresentados (que em muitos casos, como o de juiz do TC, exige uma votação por maioria de dois terços). Até que o nome de Catarina Sarmento e Castro foi levado a votos e não passou, apesar de ter sido acertado entre PS e PSD.
Uma circunstância que terá pesado neste desfecho foi o facto de Catarina Sarmento e Castro ser filha de Osvaldo de Castro, histórico deputado socialista (falecido em 2013) que presidia então à comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, uma ligação que levantava reservas noutras bancadas. Mas o PS insistiu e, à segunda tentativa, a jurista conseguiu os obrigatórios dois terços dos votos.
Com 51 anos, Catarina Sarmento e Castro nasceu em Coimbra, em 1970. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, é mestre e doutorada pela mesma instituição, onde é também docente. A futura ministra da Justiça foi membro do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e vogal da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Chamada ao Governo após as legislativas de 2019, era desde essa altura secretária de Estado de Recursos Humanos e Antigos Combatentes, sob a tutela do Ministério da Defesa. Nesta pasta, foi a responsável pela concretização do Estatuto do Antigo Combatente.
Curiosamente, com a nomeação de Catarina Sarmento e Castro para a pasta da Justiça, já lá vai mais de uma década em que este ministério é comandado no feminino: a nova titular da pasta sucede a Francisca Van Dunem, que ocupou o cargo desde 2015, e que na prática sucedeu a Paula Teixeira da Cruz (embora, formalmente, suceda a Fernando Negrão, nomeado no Governo de Passos Coelho que durou apenas 12 dias).
Conhecida a nomeação da nova titular da Justiça, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) já veio dizer que espera uma "ministra reformista". "O próximo governo tem pela frente um mandato inteiro para governar, dispõe de maioria absoluta no Parlamento e pode contar com os juízes para introduzir na justiça as reformas estruturais de que ela precisa há muitos anos", referiu a associação, em comunicado.
Que desafios se colocam à nova ministra? Luís Menezes Leitão sublinha que o "novo Governo tem uma difícil missão pela frente, tantos e tão complexos são os problemas no setor da Justiça". Para o bastonário da Ordem dos Advogados (OA) o primeiro desafio de Catarina Sarmento e Castro será o de "salvaguardar a independência dos Tribunais e a autonomia do Ministério Público": "A separação de poderes tem vindo a ser posta em causa devido às portas giratórias que se estabeleceram entre o Governo e os Tribunais, o que deve ser evitado a todo o custo. E a Procuradoria Geral da República denunciou recentemente que a autonomia do Ministério Público está em risco devido ao seu controlo financeiro pelo poder político". "O controlo da justiça pelo poder político é absolutamente inaceitável num Estado de Direito Democrático", sublinha Menezes Leitão.
O segundo desafio da nova ministra, para a OA, passa por "assegurar o adequado financiamento do nosso sistema de Justiça, invertendo a situação de colapso em que se encontra". "Há muito tempo que se tem vindo a verificar que o Ministério da Justiça aparece como o parente pobre do Governo no Orçamento de Estado", sustenta o bastonário. O passo à frente, uma vez assegurado o financiamento adequado, passará pela redução de custos no acesso - "É imperativo que sejam reduzidas as custas judiciais. Neste momento estão num nível tão elevado que a justiça só está acessível aos muito ricos, os únicos com dinheiro para as pagar, ou aos muito pobres, que beneficiam do apoio judiciário".
Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), espera que a nova titular da justiça esteja "disponível para dialogar e trabalhar com os representantes do setor no sentido de identificar os principais problemas e encontrar vias de resolução". Para o SMMP uma das primeiras acões da nova ministra deverá passar por "promover junto da Assembleia da República a alteração de algumas normas que foram aprovadas no âmbito da estratégia anticorrupção e que apenas contribuem para entorpecer o sistema, designadamente ao nível do Código de Processo Penal". Adão Carvalho defende também que é preciso "investir no recrutamento e formação de novos magistrados para o Ministério Público" de forma a "superar o défice de quadros", e avançar com a "revisão do estatuto dos oficiais da justiça e a consagração de uma carreira autónoma de funcionários judiciais e a consagração de uma carreira autónoma de funcionários judiciais para o Ministério Público". A "reforma da justiça administrativa e fiscal, de forma a resolver o problema da excessiva morosidade destes tribunais" é outro dos pontos enunciado pelo SMMP.