Castração química. Ferro recusa discussão do projeto do Chega no plenário

O Presidente da Assembleia da República decidiu que o projeto do Chega que inclui a castração química para agressores sexuais deve ser retirado da agenda do plenário de sexta-feira, com base no entendimento da Comissão de Assuntos Constitucionais.
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"Tendo recebido da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a adenda ao parecer relativo ao projeto-lei, na qual se conclui que 'é entendimento da Comissão que, do ponto de vista constitucional, não preenche os requisitos para a subida a Plenário', o Presidente da Assembleia da República, após a necessária ponderação, emitiu um despacho esta quinta-feira (27 de fevereiro) no sentido de que fique sem efeito o seu agendamento para plenário", refere uma nota de Ferro Rodrigues.

O despacho do presidente da Assembleia da República recorda que admitiu o diploma do Chega reconhecendo que "o poder de rejeição de iniciativas é absolutamente excecional", mas suscitou "desde logo dúvidas acerca da conformidade do teor desta iniciativa com a Constituição da República Portuguesa, que foram confirmadas pelo parecer de entidades consultadas no curso do processo legislativo desta iniciativa, como o do Conselho Superior da Magistratura".

A agravação das molduras penais privativas de liberdade para as condutas que configurem os crimes de abuso sexual de crianças, abuso sexual de menores dependentes e atos sexuais com adolescentes e criação da pena acessória de castração química."

Este é o título do projeto de lei do Chega que estava agendado para ser discutido esta sexta-feira no plenário da AR.

No entanto, uma deliberação, nesta quarta-feira (26 de fevereiro), na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, determinou que o diploma "não preenche os requisitos para subida ao plenário" - embora remetendo a decisão final de agendamento para o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

Em causa está o facto de o Chega querer criar a pena acessória de castração química temporária para pessoas condenadas por abusos sexuais de menores. Ora isso, alegadamente, fere a Constituição da República, no n.º 2 do artigo 25.º ("Direito à integridade pessoal"): "Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos."

A deliberação foi aprovada com os votos a favor do PS, PCP e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. O PSD e o PAN abstiveram-se. O BE, CDS e o partido proponente Chega estiveram contra.

Num longo texto no Facebook, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, justificou o voto contra do seu partido.

"Deve uma comissão parlamentar vetar projetos de lei e impedir a sua discussão e votação em plenário? Não deve. Uma comissão parlamentar não é a primeira instância do Tribunal Constitucional. As comissões parlamentares são compostas por deputados e deputadas e reproduzem a representação partidária do plenário. Isto significa que, em situações de maioria absoluta, uma comissão parlamentar também tem uma maioria absoluta de membros eleitos pelo mesmo partido. Para garantir a liberdade de iniciativa, nenhuma maioria absoluta deve poder vetar iniciativas legislativas de outros partidos sob o argumento constitucional."

Há a "vantagem de permitir o debate de um projeto claramente inconstitucional" - "isso permitiu lançar novos e importantes debates, como foi o caso da criminalização do enriquecimento ilícito ou da criação de juízos específicos para a violência doméstica, ambas propostas sem enquadramento constitucional mas que abriram caminho a medidas positivas".

"Nestas e noutras situações, era indicado que os projetos poderiam conter inconstitucionalidades mas cumpriam os preceitos regimentais, possibilitando o debate e a votação em plenário, ao qual se seguirá o processo de especialidade. A avaliação da conformidade constitucional é feita apenas no final do processo e pelo Tribunal Constitucional."

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