Castanheira de Pera quer recuperar o seu património industrial e têxtil

O anúncio de um investimento de 1,5 milhões de euros numa nova fábrica animou o concelho mais pequeno do distrito de Leiria, que já foi uma referência nacional na indústria têxtil. A autarquia aposta no turismo industrial e vê uma oportunidade para inverter a tendência para o êxodo da sua população, cada vez mais envelhecida.
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A última fábrica têxtil a laborar em Castanheira de Pera anunciou que vai criar uma tinturaria de raiz naquele concelho, um dos mais afetados pelos fogos de 2017 e pela desertificação, ao longo dos anos. O investimento, na ordem de um milhão e meio de euros, prevê a criação de mais postos de trabalho, a juntar aos 90 que atualmente mantém.

Castanheira de Pera já foi um nome incontornável no panorama têxtil do país. Mas começou a definhar nos anos de 1980 e, desde então, foi assistindo ao fecho das diversas fábricas, ao ponto de neste momento manter apenas em funcionamento aquela que foi inaugurada em 1927, pela mão de Albano Antunes Morgado. É o neto, Albano José, quem agora ocupa o papel de CEO daquela Sociedade Anónima dedicada aos tecidos cardados e penteados em lã.

O novo investimento inclui a construção de um edifício de raiz, bem como a aquisição de maquinaria nova, "tecnologicamente mais evoluída, que irá assegurar um nível superior de controlo de qualidade e reprodução de cores, graças a um processo totalmente automático de adicionamento de auxiliares e corantes". "Cerca de 60% do equipamento é novo e vai permitir-nos ter uma capacidade produtiva maior, nomeadamente na tinturaria em rama e tinturaria em fio", afirmou o empresário ao jornal Portugal Têxtil, uma publicação especializada do setor.

A notícia de que a Albano Morgado SA iria construir uma tinturaria de raiz em Castanheira de Pera deixou os autarcas e a população em clima de grande regozijo. Esta é, afinal, a última fábrica têxtil que se mantém em funcionamento - além da pequena unidade dedicada ao fabrico de barretes -, onde trabalham cerca de 90 pessoas, pelas contas do atual presidente da Câmara, António José Henriques, um engenheiro civil eleito pelo PS nas últimas autárquicas.

"Neste momento a empresa submeteu um projeto de licenciamento, até para poder instalar umas casas pré-fabricadas, porque vai ter de contratar alguma mão de obra de fora", refere o edil. Não admira. Castanheira sempre foi o menos populoso município de todo o distrito de Leiria e os últimos censos mostraram que continua a perder população. Por esta altura, o concelho regista apenas 2640 habitantes. "Sofremos uma quebra de 17%", confirma o autarca. "Mas o que para mim é assustador, e que é preciso inverter, é que 37% dessa população tem mais de 65 anos. Por isso só temos uma forma de dar a volta a isto: criar políticas que tragam e fixem empresas e consecutivamente fixem pessoas", preconiza.

A autarquia planeia recuperar algumas unidades industriais desativadas, por forma a torná-las visitáveis. "Além disso, há um tear com mais de 100 anos, onde eram feitos os barretes, e ali a nossa ideia é criar o museu do barrete, bem como a criação de uma exposição itinerante relativa ao património têxtil. No fundo, a ideia é criar uma complementaridade que promova o território. Porque a praia das Rocas já está naturalmente "vendida", mas é preciso oferecer mais alguma coisa às pessoas, termos outro tipo de oferta", assumiu António José Henriques.

Além do turismo industrial, a aposta da Câmara aponta também para o turismo de natureza. É por isso que um dos próximos passos é homologar o passadiço de Quelhas, que permitirá também alguns passeios pedestres. "Eu não estou muito preocupado em ser muito ou pouco tempo presidente da Câmara, mas sim em deixar uma marca para o território", garante.

"Nós precisamos de políticas que daqui a 20 anos sejam visíveis. E a visibilidade deste território será conseguir fixar pessoas", diz o presidente do município. "O que é preciso é conseguir inverter isto. Eu tenho dois filhos, um com 9 outro com 11 anos, e na turma do mais velho, no 6º ano, há 22 crianças, e na do mais novo há apenas 11. O grande desafio é esse, reverter o declínio demográfico. Por isso é que precisamos de mais empresas como a Albano Morgado. Não têm que ser todas do setor têxtil. O caso dele é excelente, porque conseguiu manter na família e na área aquela unidade", justificou.

"Temos aqui outra vertente que é o nosso património material e imaterial dos têxteis." António José Henriques fala de dezenas de reuniões nesta meia dúzia de meses, que se soldaram numa matriz de trabalho "para criar um plano de salvaguarda desse património". O presidente da Câmara sublinha ao DN a importância "de não deixar cair a história" do concelho. E para isso define duas vertentes importantes: "A questão das memórias, aquilo que nos identifica como comunidade - e os têxteis fazem parte delas e são importantíssimos para a nossa história. E depois a recuperação económica."

O autarca acredita que é possível juntar uma e outra. Afinal, se conseguir fazer de Castanheira de Pera um polo de atração para o turismo industrial, essa também será uma via. "Em 1908, tivemos em Castanheira de Pera a primeira rua eletrificada permitindo, através de uma mini-hídrica, que uma fábrica têxtil tivesse maior produção. Com isso acabámos por ter uma aldeia iluminada (Coentral), mesmo antes de Coimbra", recorda António José Henriques. "Além disso, é preciso combater a forte sazonalidade que a praia das Rocas nos traz." A enorme piscina - que proporciona ondas artificiais a 80 quilómetros do mar - tornou-se uma atração durante o verão, mas esgota-se em setembro.

Os novos ventos que o investimento da Albano Morgado parecem trazer a Castanheira de Pera arrastam outros empresários. A 18 de maio de 2021, foi criada a Associação Empresarial de Castanheira de Pera que só agora tem vindo a apresentar-se aos empresários da terra. "Sentíamos que havia necessidade de haver uma instituição que fizesse pontes entre os empresários e as entidades", conta ao DN o presidente, Carlos Pedro, nascido e criado em Castanheira, mas também ele a residir fora dali. Porém, é lá que tem o seu negócio, um largar de azeite. "A verdade é que têm estado a aparecer algumas empresas, embora pequenas, nada que se compare com a Albano Morgado. Ainda só estamos a gatinhar, enquanto associação, mas acredito que podemos crescer", afirma, enquanto procede ao registo dos 120 empresários em nome individual e pessoas coletivas. Para já, a associação tem apenas 26 sócios. "Mas apresentámo-nos há poucos dias", revela.

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