Cascais quer proibir o plástico descartável. O problema são as garrafas de água
Realizam-se mais de 200 eventos por ano emCascais e o objetivo é eliminar em todos eles o uso de plástico descartável. Quem o diz é a vereadora com o pelouro do Ambiente na autarquia. "Estamos a preparar um regulamento municipal que determina regras para todos os promotores que organizam eventos em Cascais. Vamos incluir a proibição de plástico descartável, sempre que possível", revela ao DN Joana Pinto Balsemão.
Mais de duas centenas de eventos por ano no concelho, "alguns de grande envergadura", que terão de passar a cumprir as novas regras que a autarquia quer implementar já na primavera de 2019. Eliminar as garrafas de água é um dos problemas apontados pelos promotores.
"É ambicioso, mas o problema é urgente. Acredito que vai fazer-se sentir em várias frentes. Implica trabalhar com todas as empresas e fornecedores", explica a vereadora. "Os eventos são importantes para nós, a nível da dinâmica local, mas têm uma pegada ecológica", justifica a sublinhando a necessidade do regulamento municipal, embora esteja numa fase embrionária.
Não houve ainda conversas com os promotores de eventos, conta Joana Pinto Balsemão, garantindo que não se quer "impor de um dia para o outro" o fim do plástico. "Queremos que este regulamento seja abrangente, mas rigoroso e exequível", defende. "É uma transição que é urgente, mas só irá funcionar se trabalharmos em conjunto".
O Estoril Open é um dos muitos eventos que terá de cumprir as novas regras. Apesar de disponível "em colaborar em tudo o que é iniciativa que tenha a ver com o ambiente e o bem-estar", o diretor do torneio João Zilhão admite que eliminar todo o plástico descartável não se apresenta como uma tarefa fácil.
O responsável aponta as áreas onde prevê mais dificuldades. "Talvez seja mais difícil de eliminar completamente o plástico na zona da alimentação, o food court. E depois há também as garrafas de água que os jogadores levam para o court. Assim como as bebidas isotónicas... se os fornecedores nos derem soluções em vidro ou em outro material, mas não conheço", admite o responsável pelo evento que leva a Cascais alguns dos melhores tenistas da atualidade.
"Não sei se será possível eliminar tudo numa fase inicial, mas iremos fazer esforços e caminhar de mão dada com a câmara para eliminar o plástico descartável completamente", assume o compromisso João Zilhão.
O mesmo problema é apontado por Karla Campos, diretora do EDP Cool Jazz. "As garrafas de água são uma questão, sem dúvida. É complicado", afirma.
São garrafas e garrafas de água de plástico distribuídas pelo fornecedor do festival para os elementos do staff, artistas e "não só". "As pessoas estão a trabalhar numa altura em que é verão, faz muito calor durante o dia e têm de beber muita água", explica a mulher por detrás do EDP Cool Jazz, que caminha para a 16ª edição. "Temos que pensar e encontrar numa solução", afirma a promotora que já introduziu os copos reutilizáveis no evento, desde 2017, e eliminou este ano as palhinhas.
Embora reconheça na garrafa de água como uma situação a resolver, Karla Campos aplaude o novo regulamento municipal que Cascais está a preparar. "É uma excelente iniciativa", diz. Reconhece que "as mudanças de hábitos são sempre difíceis", mas acredita que é tudo uma questão de rotina, tal "como acontece com os sacos de plásticos nos supermercados". "É um hábito. No final de contas vai ser melhor para todos", defende.
Alinhada no mesmo objetivo, a Associação Empresarial do Concelho de Cascais (AECC) conta ao DN que está a trabalhar com a autarquia na elaboração deste regulamento municipal, uma medida que faz "todo o sentido", tendo em conta as consequências nefastas do plástico no ambiente, nos ecossistemas marinhos e na saúde. "Temos que envolver as pessoas para a abolição, aos poucos, do uso do plástico, porque é uma situação que não é nova, mas estamos a ser confrontados com esta realidade preocupante", defende Armando Correia, presidente da AECC.
Um regulamento municipal que abrange todos os eventos, sejam grandes ou pequenos, culturais ou desportivos. "Desde os arraiais ao Lumina", exemplifica Joana Pinto Balsemão. A própria câmara também terá de se submeter a esta regulamentação do uso do plástico descartável, uma vez que a autarquia é também promotora de eventos, sublinha a vereadora.
"Temos o apoio de um consultor, com conhecimento técnico na área e queremos ter o envolvimento dos promotores. Tem condições para ser um regulamento pioneiro que vai fazer a diferença", acredita a responsável. "A partir do momento em que for publicado o regulamento municipal haverá uma imposição. Até lá vamos trabalhar cuidadosamente para arranjar soluções", defende Joana Pinto Balsemão.
Encontrar soluções alternativas pode implicar custos, admite. "Mas tem a ver com uma questão de escala". Quando mais empresas e entidades usarem as alternativas menos dispendiosas serão", explica. "Pode ser difícil numa fase inicial, mas passado um ano já não nos lembramos como era antes", acredita a autarca.
É nesse sentido que Armando Correia, da Associação Empresarial de Cascais, refere que "as empresas que fornecem as promotoras de eventos vão ter de se adaptar a esta nova realidade". "As empresas de restauração, por exemplo, se calhar têm de começar a receber material já com essa preocupação. Os fornecedores têm de começar a ser mobilizados para esta mudança, porque muitas das coisas partem deles", considera o presidente da AECC. "Estou expectante", diz.
Nesta fase, é necessário ver o documento e percebe se é exequível, refere. "Tem de se ver as propostas para o regulamento para encontrar as melhores soluções. Temos estado a conversar, mas ainda não o conhecemos". Acredita que depois de feito, deverá sofrer "ajustes" para se adaptar "à realidade". "Para já não há nada em concreto".
O desafio maior será "mobilizar as pessoas e a terem alguma abertura à mudança". "Acho que é o mais difícil. "É normal que haja sempre resistência à mudança, mas penso que as coisas irão no caminho que se pretende, para o bem de todos", prevê Armando Correia.
A redução do uso de plástico descartável nos eventos em Cascais não é novidade. A edição deste ano das Festas do Mar teve copos biodegradáveis e, desde 2017, que o EDP Cool Jazz introduziu os copos reutilizáveis. O eco copo, 100% reciclável, custa um euro ao festivaleiro, que o pode levar para casa e trazê-lo no dia seguinte. Pode trocá-lo por um novo sempre que vai buscar uma bebida, conta Karla Campos. E há vários tipos de copos consoante a bebida, vinho, cerveja ou caipirnha, por exemplo. Este ano, a organização do evento acabou com as palhinhas.
Mas para ter um concelho mais amigo do ambiente, a câmara liderada por Carlos Carreira "começou por fazer o trabalho dentro de casa". "Tentamos perceber onde estamos a usar plásticos desnecessariamente nas cantinas da câmara, nos nossos concessionários e no dia a dia da gestão municipal. Essa foi a primeira linha de ataque. Depois foi abolir o plástico das cantinas da câmara e trabalhamos com os nossos concessionários para deixarem o plástico descartável, por exemplo nos quiosques dos parques municipais", exemplifica a vereadora do ambiente.
A medida mais emblemática, diz, foi acabar com as garrafas de águas de plástico nos serviços municipais. "Instalamos dispensários de água, ligados à rede pública, e oferecemos a cada funcionário uma garrafa de vidro e também um cantil para os operacionais que trabalham na rua". Uma mudança de hábitos que leva a câmara de Cascais a "evitar o volume de dois faróis de Santa Marta por ano", exemplifica Joana Pinto Balsemão. Uma poupança de 350 mil garrafas de plástico de 0,33 cl, por ano.
A autarquia pretende agora "contaminar positivamente" os parceiros, como os concessionários da orla costeira. "Foram muito recetivos e penso que em breve deixem de usar o plástico descartável. Alguns já estão a colaborar. Até ao Natal já deveremos ter todos a abolir o plástico descartável, prevê a vereadora, que se mostra confiante em relação ao comércio local. "Acho que os comerciantes estão cada vez mais conscientes para o problema e mais exigentes para a resolução do problema do plástico descartável".
Joana Pinto Balsemão explica que a câmara não pode impor ao comércio local o tipo de regras que irão estar no regulamento municipal, que vai proibir o plástico descartável nos eventos, mas está confiante que os comerciantes vão ser contagiados pelas iniciativas amigas do ambiente. "O tema do plástico descartável é fácil de explicar, não é só o impacto no meio ambiente e nas espécies marinhas é também o impacto na saúde. Se pensarmos na quantidade de micro plásticos que são ingeridos pelos peixes que vão para o nosso prato é fácil de perceber porque este é um problema tão urgente por um lado e tão fácil de resolver por outro".
Aliás, a consciência para a urgência em resolver o problema já é visível em alguns estabelecimentos comerciais, que aderiram ao Movimento Claro Cascais, criado por três amigas, cujo objetivo é acabar com as palhinhas, os sacos e as garrafas de plástico na União de freguesia de Cascais e Estoril.
Não são só movimentos da sociedade civil que estão a tentar resolver o problema do plástico. Vários países já introduziram ações restritivas e proibições contra o plástico. Entre as medidas apresentas em maio pela Comissão Europeia, por exemplo, está incluída a proibição do uso de plástico em produtos como cotonetes, talheres, palhinhas e paus de balões, entre outros. Produtos representam 70% dos resíduos marítimos na União Europeia (UE).
De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente, que cita dados do Eurostat, por ano, a Europa produz cerca de 58 milhões de toneladas de plástico e Portugal contribuiu com quase 370 toneladas , uma média de 31 quilos por pessoa, um valor acima da média europeia.
No briefing do Conselho de Ministros deste dia, a ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, anunciou a aprovação de uma resolução que "define as medidas para a redução do consumo de papel, de consumíveis de impressão e de produtos de plástico na Administração Pública".
"Definindo como regra a proibição de uso a garrafas, sacos e louça de plástico e forçando o uso de materiais alternativos com orientações também para a contratação pública", explicou a governante.