Casal recorda mês à deriva na Amazónia
É uma história com tantas aventuras à qual só falta a adaptação para cinema. Em 2017, Holly Fitzgerald pegou no diário que mantinha à época e a partir daí escreveu o livro Ruthless River. Mais recentemente contaram a história no programa de rádio Outlook da BBC, e agora publicado no serviço da BBC em português do Brasil.
A ideia de Holly e Jerry (conhecido por Fitz) Fitzgerald era passar uma semana a descer um afluente do Amazonas, o que seria uma parte da sua lua-de-mel de um ano. O casal norte-americano, agora com 74 e 73 anos, já estava há cinco meses em viagem, quando em fevereiro de 1973, após uma conversa com antropólogos em Pucallpa, no Peru, decidem explorar a bacia do Amazonas e apanhar um avião para Puerto Maldonado, também no Peru.
Daí iriam até Riberalta, na Bolívia, de barco, e prosseguir a viagem até ao Rio de Janeiro, que continuaria depois por África.
Foi a partir desse momento que tudo começou a correr mal. O piloto do DC-3 com 13 pessoas a bordo tem de fazer uma aterragem forçada em plena selva.
"Quando o avião embateu no solo, era tudo lama, uma relva lamacenta, e parecia não conseguir travar. Havia uma península de água em volta, e colidiu nas árvores da floresta", contou Holly.
Ninguém sofreu ferimentos graves, mas o avião ficou danificado e tiveram de seguir a pé. Acabaram por chegar a uma colónia penal, sem grades nem muros porque os criminosos não tinham para onde fugir.
Depois de uma avioneta os ter recolhido junto à prisão em plena selva, chegaram a Puerto Maldonado a salvo, mas tinham perdido a ligação de barco que queriam fazer para a Bolívia. Teriam de esperar três meses, pelo que deram ouvidos a uma sugestão de habitantes: fazerem-se ao caminho de jangada.
O jovem casal - ele jornalista, ela assistente social - decidiu construir uma jangada com quatro troncos e uma tenda improvisada feita a partir de lona forrada com rede mosquiteira e navegar os 800 quilómetros do rio Madre de Dios até Riberalta, Bolívia, viagem que deveria durar cinco dias.
"No início era idílico", recordou Holly. "Conseguia-se ler. Relaxar. Tirar fotografias. Estávamos tão livres como as borboletas, desfrutando da paisagem e da tranquilidade, porque mais ninguém estava no rio", disse.
Mas ao fim do quarto dia o paraíso transformou-se em inferno. Uma tempestade abateu-se na região e uma árvore caiu em cima da jangada. Destruiu a tenda e levou quase toda a comida, o que não seria um problema se a viagem demorasse os cinco dias planeados.
A tempestade desviou o curso da jangada para um lago que na época das chuvas ficava pantanoso. O par ficou encalhado durante dias naquele território, primeiro com receio dos jacarés, das anacondas, das piranhas e das onças, cujos rugidos ouviam à noite. Acabou por arriscar e sair a nado, mas após dois dias de tentativas, o casal acabou por desistir.
Conta Holly que, no meio da angústia e da fome, teve uma revelação. "À medida que a fome consumia o meu corpo, os seus efeitos cortavam a gordura e a cartilagem dos meus pensamentos. Eu pude ver o meu lugar no grande plano: eu iria ser mãe."
Este pensamento fortaleceu a determinação de Fitz, que perdeu 18 quilos, e de Holly, que perdeu 9 quilos, e começaram a esgaravatar as árvores e arbustos na linha da água e neles apanhar sapos, gafanhotos, caracóis e lesmas. Em desespero consumiram bagas sem saber se seriam venenosas.
Ao vigésimo sexto dia isolados no pântano, apareceram dois indígenas à caça de tartarugas numa canoa (que conseguia navegar no pântano, ao contrário da jangada). Depois de terem sido levados e alimentados na aldeia de Rocque e Silveiro a viagem terminou na América do Sul com duas semanas de hospitalização para recuperar da exaustão, desnutrição e das picadas de insectos.
O casal Fitzgerald, que vive em Massachusetts, completa este mês 50 anos de relação. "Aprendi duas coisas na selva", disse Holly em entrevista ao New York Post. "Não desistam, porque há sempre esperança. E aproveitem o tempo da melhor forma possível."