Manuel Portugal Lage: "Carlos Moedas não teve um início brilhante na câmara"
É o líder da bancada socialista, a maior bancada na Assembleia Municipal de Lisboa, isto num contexto em que o PS não governa a Câmara. O que é que se pode esperar desta configuração política nos próximos quatro anos?
O engenheiro Carlos Moedas não teve um início brilhante na câmara e isso deixa-nos com uma grande preocupação. Tivemos uma distribuição de pelouros tardia, estivemos quase um mês para ter distribuição de pelouros. Essa distribuição é feita em função da vontade do presidente [da câmara], que nós respeitamos. Agora, revela duas coisas à cabeça. A primeira é uma desorganização grande. A segunda é falta de coerência. Há vereadores que têm um, dois pelouros, e depois há vereadores que têm sete, oito, nove pelouros. Não deixa de ser estranho. E preocupante. Dou um exemplo muito claro: quando vemos três pelouros, educação, juventude e desporto com três vereadores diferentes, isto é algo que nos deixa preocupados. Mais: o vereador que tem o desporto, também tem a mobilidade, os transportes, a segurança, a proteção civil. O vereador que tem a Educação, tem a cultura, as juntas de freguesia... Depois, a vereadora que tem a Juventude, tem as Jornadas Mundiais da Juventude, os Direitos Sociais e a Cidadania. Esta desorganização temática e sistémica revela uma outra coisa: que havia uma impreparação aquando da realização da lista, não foram escolhidas pessoas para ficar com áreas concretas.
Considera que há acumulações dificilmente geríveis?
Espero bem que não, para bem da cidade de Lisboa. Mas cá estaremos para ver. Para além disto, se formos ver a composição do executivo municipal atual, dos vereadores com pelouros da coligação Novos Tempos, temos três dirigentes do PPD/PSD e dois dirigentes do CDS/PP. Vejamos este último caso: o Dr. Anacoreta Correia, vice-presidente da câmara, responsável pelas Finanças e Recursos Humanos, é dirigente nacional do CDS, apoiante da direção. O Dr. Diogo Moura é o responsável pela ligação às juntas de freguesia e pelos contratos de delegação de competência - que têm uma importância fundamental na Câmara de Lisboa. Não é possível fazer contratos de delegação de competências sem o vereador das Finanças, e sabendo nós que existe uma disputa interna dentro do partido destes dois vereadores, esperamos que essa luta não seja transposta para a câmara.
Mas, na sua perspetiva, a câmara está parada, até agora?
Ao final de um mês desde a instalação da câmara esta Assembleia Municipal recebeu, até agora, uma única proposta, um único despacho, vindo da Câmara para a Assembleia Municipal. Trata-se de uma proposta para a continuidade, até 31 de dezembro, do Fundo de Emergência Social, um projeto do executivo anterior, que naturalmente mereceu a aprovação por unanimidade dos vereadores da Câmara. Mas foi a única. Ao fim de um mês. Daí a nossa preocupação e a conclusão de que não foi um início brilhante.
No discurso de tomada de posse Carlos Moedas exigiu respeito pela "legitimidade do seu mandato". Como é que vê esta exigência do presidente da Câmara?
Não sei se o presidente se estava a referir à Assembleia Municipal. No discurso de tomada de posse, as únicas pessoas que o presidente não cumprimentou foram os eleitos que com ele foram instalados: os deputados municipais. Foram as únicas pessoas a quem não dirigiu uma única palavra. Aliás, não o fez até hoje, o que é grave. Mas cá estaremos à espera. Nós estamos muito disponíveis para respeitar o mandato do presidente, desde que o presidente respeite o mandato da Assembleia Municipal. Ele gosta de falar de uma assembleia de cidadãos. Nós não temos nada contra assembleias de cidadãos, temos é a favor de uma assembleia eleita pelos cidadãos, que é esta. Onde o engenheiro Carlos Moedas não tem maioria. Como diz o povo, quem quer respeito, dá-se ao respeito. E isso implica respeitar aqueles que foram com ele eleitos, coisa que ele ainda não fez. E nós também temos uma exigência para com ele: queremos que o presidente governe. E que cumpra o seu mandato até ao fim. Queremos que cumpra aquilo que prometeu aos lisboetas.
Atendendo à relação de forças, depende também do PS se o mandato chega ou não ao fim...
Na parte que nos toca, fazemos questão que ele cumpra. Embora seja difícil, hoje em dia, a um lisboeta conseguir perceber o que é que prometeu a coligação que venceu as eleições. Por uma razão simples: a coligação apresentou o seu programa tardiamente, colocou-o online, mas hoje, se o tentar encontrar, já não está disponível. Mas nós temos uma cópia, sabemos o que propôs. A nossa oposição não será uma oposição destrutiva. Temos a noção de que, pese embora as propostas que foram apresentadas tenham sido no sentido de agradar a todos, e a clara noção de que não vai ser possível cumprir todas, o engenheiro Carlos Moedas vai ter que contar com esta Assembleia. E nós vamos obrigá-lo a vir cá falar connosco. A lei obriga-o, não terá outra alternativa.
As principais bandeiras de Carlos Moedas são conhecidas. O PS está disposto a viabilizá-las?
O PS está disposto a viabilizar as medidas que não contrariem diretamente as nossas propostas. Por outro lado, a nós não nos choca... Dou um exemplo: ao PS não choca que o engenheiro Carlos Moedas isente os amigos do pagamento de IMT. Desde que, em contrapartida, faça creches para as crianças de Lisboa, para que passem a ter creche gratuita como o PS propôs.
Isente "os amigos"?...
A proposta era isentar o pagamento de IMT até 250 mil euros. É isso.
Há alguma questão que seja uma linha vermelha para o PS?
Mais do que haver uma linha vermelha... Durante este mandato o engenheiro Carlos Moedas vai governar muito com aquilo que é a obra do PS. E é relevante que as pessoas não se esqueçam que muito daquilo que vai ser a obra de Carlos Moedas consiste no que foi lançado, que estava em projeto e em concurso, por parte do executivo do PS. Não se trata do que vai fazer, trata-se daquilo que não vai fazer. O que ele vai fazer é executar o programa do PS e aquilo que já tínhamos lançado. Ainda agora começaram a colocar os novos postos da GIRA pela cidade - qualquer lisboeta perceberá que esta não é uma obra de Carlos Moedas. Os sete centros de saúde cuja obra foi iniciada o ano passado, estarão concluídos no decorrer do próximo ano e no ano seguinte. Quem lá estará a inaugurar será o engenheiro Carlos Moedas, como é óbvio.
Estamos no início do mandato, não é cedo para antecipar? A não ser que o PS, que tem mais deputados municipais e igual número de vereadores, se prepare para o impedir.
Não é o caso. Estamos disponíveis para ouvir. Não vamos impedir, desde que não seja ofensivo e não contrarie o programa do PS. Mais do que isso, que não seja lesivo para os interesses da cidade.
A bancada do PS que tem aqui um legado a defender?
Não tem um legado a defender, tem a responsabilidade de quem vai exercer o poder na Câmara daqui a quatro anos. Não podemos fazer uma oposição que leve a absurdos que, daqui a quatro anos, tenhamos que estar a dar o dito por não dito. Não queremos criticar por criticar, mas apresentar uma solução alternativa. É isso que faremos em todas as circunstâncias.
E quais são as prioridades para o PS neste mandato?
As que mantivemos ao longo dos últimos anos: manter as contas certas do município, prioridade à habitação, à mobilidade, à educação. Lisboa continua a precisar de melhorar a mobilidade. Em termos de área metropolitana, vemos que a questão do passe intermodal diz muito às pessoas, o alargamento da rede de metro, a contínua melhoria da estrutura da Carris, isto tem que continuar.
Uma das propostas de Moedas são os passes gratuitos para os jovens e os mais velhos. O PS concorda?
Presumo que o presidente já saiba qual era o valor do passe antes da redução aplicada, na campanha não sabia. Estamos disponíveis para aprovar todas as medidas desde que haja uma justificação e equilíbrio financeiro. Já herdámos uma câmara vinda de um executivo do PSD, sabemos bem como é que vinha em termos financeiros, o trabalho que deu recuperar a credibilidade do município.
Duas das principais medidas que o PS apresentou na campanha foram as creches gratuitas e a proibição de novos alojamentos locais na cidade. O PS vai avançar com estas propostas neste mandato?
Vamos. Vamos, aliás, constituir um grupo de trabalho, e ter uma relação muito próxima entre a vereação do PS, a Assembleia Municipal, e os nossos presidentes de junta. Aquilo que o PS quer fazer, em termos de alojamento local, antes de tomar qualquer posição, é ouvir a comunidade, ouvir a cidade. Temos que evitar a gentrificação de Lisboa, sem que a atividade económica da cidade seja prejudicada. Há que fazer um equilíbrio muito sensível entre as duas áreas, com um turismo que seja sustentável e sustentado, que não seja volátil a uma pandemia. Confrontámo-nos, a nível global, com este novo fenómeno, ao qual temos que nos adaptar. E também temos que nos adaptar a um momento de crise, que é aquilo que vem aí, temos essa noção. Como temos a noção de que este executivo, e o seu presidente, já estiveram confrontados com uma situação de crise. E temos uma mensagem muito clara: aos momentos de crise responde-se com solidariedade, não com austeridade. Este executivo e este presidente já demonstraram que em momentos de crise respondem com austeridade. Nós respondemos com solidariedade.
Quer na Assembleia Municipal, quer na vereação, o PS precisa da esquerda para fazer maioria. Conta com o PCP e o BE?
O PS conta com todas as bancadas que queiram participar de um projeto alternativo para a cidade. Do PCP, dos Verdes, do Livre, do Bloco. E contamos com as bancadas que queiram, em determinados pontos, alinhar com as posições que, mais do que serem de esquerda ou direita, garantam estabilidade e moderação. É isso que as pessoas precisam nas suas vidas. As pessoas não querem aventureirismos, loucuras, saltos para o desconhecido. Não vamos apresentar aos lisboetas propostas que não sejam exequíveis, que temos que apagar antes que alguém veja.