Carlos Alexandre: "Não tenho dinheiro ou contas bancárias em nome de amigos"
"Não tenho fortuna pessoal, nem herdada, não tenho amigos pródigos, os meus encargos só são sustentados com trabalho sério". Esta foi uma das declarações que marcou a entrevista do juiz Carlos Alexandre, esta quinta-feira à SIC. Pela primeira vez, o magistrado judicial do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) decidiu abrir o livro da sua vida, não evitando, porém, algumas indiretas, cujos destinatários tanto podem ser arguidos em processos, mas também para dentro da magistratura. Alexandre recordou que, entre os juízes, é muitas vezes apelidado do "saloio de Mação".
Na entrevista o juiz evitou falar em casos concretos sobretudo aqueles que tem em mãos no TCIC, como os relacionados com José Sócrates ou Ricardo Salgado. Ainda assim, não deixou de deixar alguns recados. Como quando afirmou não ter habilitações para ser juiz desembargador ("não tenho livros publicados, não vou a conferências, não tenho pós graduações, trabalho muito"), ou repetiu a ideia de não ter "dinheiro ou contas bancárias em nome de amigos".
Carlos Alexandre assumiu-se como um viciado em trabalho, dizendo que, além do trabalho no TCIC, faz turnos de fim de semana no Tribunal de Instrução Criminal, de forma a obter mais rendimento ao fim do mês face aos seus comprimissos assumidos. "Em 52 sábados num ano, trabalhei 48", revelou o magistrado, acrescentando que há dez anos que não sabe o que "férias" no sentido clássico, isto é, estar, por exemplo, duas semanas fora do tribunal. "Faço o que gosto e não consta que alguma vez tenha tomado uma decisão contra-direito.
É em Mação, no distrito de Santarém, de onde é natural, que recupera da azáfama dos tribunais em Lisboa. Foi lá que cresceu, com um pai "austero" e "exímo jogador de cartas", que após cada sessão de jogo no café trazia aos filhos um "chocolate Regina". Carlos Manuel Lopes Alexandre, antes de ingressar na magistratura, foi servente de pedreiro, vigia florestal e carteiro. Só na Faculdade de Direito de Lisboa é que se transformou num "rato de biblioteca", devorando todos os manuais e outras obras disponíveis.
Quando se desloca "à terra", onde participa ativamente nas festividades religiosas, disse que lhe fazem queixas sobre a justiça portuguesa, mas acha que se faz "boa justiça em Portugal todos os dias". E para os casos que lhe caem mais nas mãos, como os de corrupção e criminalidade ligada aos bancos, defendeu a introdução no sistema português da "delação premiada" como se faz atualmente no Brasil, uma prática que concede benefícios legais ao suspeito ou arguido que aceite colaborar na investigação ou entregar os seus companheiros. Porém, reconheceu, que há uma "certa dificuldade em aceitar tal medida, porque ainda soa a "bufo" da PIDE, um trauma do que se passou para trás". "A delação premiada seria um incentivo a participar na administração da Justiça", afirmou.
O seu quotidiano é, segundo descreveu, preenchido com o circuito "casa-trabalho-casa". Praticamente, deixou de almoçar em restaurantes, por ter "preocupações com que as pessoas nas mesas ao lado estejam a ouvir o que estou a dizer". "Sinto-me escutado no meu dia-a-dia, sob várias formas", declarou, acrescentando já ter lido o Manual de Procedimentos do Serviço de Informações e Segurança, documento que foi parcialmente analisado no chamado "caso das secretas". Nesse documento, além de escutas telefónicas, fala-se em, por exemplo, escutas ambientais.
Carlos Alexandre admitiu que, fruto das suas funções, sabe muito sobre política, negócios e decisões dos tribunais, mas que isso não lhe dá "poder".Dar-lhe-ia, afirmou o juiz, se utilizasse o que sabe "para o mal". "Se tivesse medo, não me levantava da cama, eu aceito o meu futuro e o meu destino", disse o juiz, há 30 anos nos tribunais e "super juiz" desde novembro de 2004, quando entrou para o Tribunal Central de Instrução Criminal.