Carga fiscal vai continuar a bater recordes em 2020 e 2021
Seja qual for a medida usada, a Comissão Europeia (CE) indica que a carga fiscal portuguesa vai continuar a bater recordes no próximo ano e seguinte. Isto é, a receita em impostos e contribuições vai continuar a crescer mais rápido do que a economia. O governo e o ministério das Finanças dizem que não: prevêem uma descida da carga fiscal.
Segundo as projeções do outono divulgadas por Bruxelas a 7 de novembro último, o peso dos impostos e dos descontos para a Segurança Social deverá subir dos atuais 34,9% do produto interno bruto (PIB), valor que já era um máximo de sempre, para 35% em 2020. Bruxelas faz ainda uma projeção para 2021 (cenário de políticas constantes, sem medidas novas) e considera que a carga fiscal portuguesa pode bater um novo recorde, chegando aos 35,1% do PIB.
De acordo com outra medida de carga fiscal usada por Bruxelas, onde se incluem as chamadas contribuições para a Segurança Social imputadas, acontece a mesma coisa: o máximo alcançado neste ano (37,2% do PIB) será destronado no ano que vem com um aumento da carga fiscal até aos 37,2%.
Mas regressemos à primeira medida de carga fiscal, a escolhida pela Comissão para fazer comparações entre países.
Segundo as projeções da CE, o governo vai cobrar neste ano qualquer coisa como 73,6 mil milhões de euros em impostos e descontos e no ano que vem vai arrecadar 76,3 mil milhões. São mais 2,7 mil milhões de euros, um crescimento de 3,6%. Mais do que cresce a economia que, em 2020 deve aumentar, em termos nominais, cerca de 3,3%, também segundo a Comissão.
No esboço do Orçamento do Estado para 2020, que Mário Centeno enviou para Bruxelas em meados de outubro, a evolução da carga fiscal é totalmente distinta face ao que diz Bruxelas. Nesse documento, as metas do governo dizem que o peso dos impostos e contribuições vai afinal descer ligeiramente, de 34,9% em 2019 para 34,8% do PIB no ano que vem.
O peso dos impostos diretos (como IRS e IRC) vai manter-se em 9,9% em 2020, a carga de impostos indiretos (como IVA e ISP) alivia uma décima, para 15,1% no próximo ano, mas as contribuições sociais, por exemplo, vão aumentar o seu peso em uma décima, para 12,1% do PIB.
Centeno tem sempre argumentado que os portugueses não estão a pagar mais impostos, sobretudo ao nível do IRS, onde tem havido, de facto, um alívio substancial.
O gabinete de Centeno garante que "a receita traduz o crescimento da atividade económica e do emprego".
E sublinha que até ao final do terceiro trimestre, "a receita fiscal cresceu 4,4%, com destaque para o aumento do IVA em 7,3%" e que "esta evolução positiva ocorre apesar da redução das taxas de vários impostos, tais como o IRS (aumento do número de escalões e do mínimo de subsistência), o IVA (diminuição da taxa de vários bens e serviços) e o ISP (redução da taxa aplicada à gasolina em 3 cêntimos)".
Portanto, para o governo, "a forte dinâmica da receita é assim essencialmente justificada pelo bom desempenho da economia".
"Do mesmo modo, o comportamento favorável do mercado de trabalho traduz-se na evolução da receita das contribuições para a Segurança Social, que atinge o valor mais elevado dos últimos anos".
Aumentou quase 9% em termos acumulados, em setembro, face a igual período de 2018, segundo dados oficiais. O primeiro-ministro António Costa disse no Parlamento, no final de outubro, em resposta a questões do CDS, que foi essencialmente esse aumento dos descontos que levou a carga fiscal a bater um recorde.
"O aumento carga fiscal deve-se ao facto de o país ter batido o recorde de criação de emprego e de valorização social, não por um aumento de taxas", argumentou o chefe do governo.
"Temos tido um aumento de 9% de contribuições da Segurança Social porque tivemos o recorde da criação de emprego" e esse aumento da receita "é o que explica este aumento da carga fiscal", insistiu Costa.
No ano que vem, em sede do Orçamento do Estado, que será revelado até dia 15 de dezembro, o Governo já disse que quer por a classe média a pagar menos impostos. Como? Com mais escalões do IRS (atualmente são sete), por exemplo.
Na semana passada, no primeiro debate quinzenal da legislatura, o PM referiu que o referido "aumento da carga fiscal em 2020 é uma ideia bastante prematura"."Não é isso que está previsto. Pelo contrário, espero que já neste primeiro Orçamento se possa dar um primeiro passo para cumprir um dos principais objetivos orçamentais do Governo. Queremos iniciar uma maior progressividade do IRS, procurando diminuir o peso do IRS sobre os vencimentos da classe média", prometeu.
Aos jornalistas, António Costa reforçou que a ideia passa por "desagravamento do IRS para alguns escalões". "Espero que neste primeiro Orçamento possamos começar a concretizar esse objetivo que temos para a legislatura".
Mas uma coisa é certa: a intenção do governo é fazer desaparecer o défice orçamental e começar a entregar excedentes anuais sucessivos para tentar baixar a enorme dívida pública. Por isso, se perder receita num lado, vai tentar compensara noutro.
Por exemplo, o programa deste governo diz que pretende "iniciar um movimento de reequilíbrio fiscal, em linha com o objetivo de transição justa, mediante a transferência progressiva da carga fiscal sobre o trabalho para a poluição e o uso intensivo de recursos".
Além disso, diz o governo que alguns benefícios regressivos concedidos a contribuintes mais ricos vão acabar ou ser reduzidos de forma significativa. Todo o sistema de benefícios fiscais vai ser "revisto", promete o governo no seu programa até 2023.
Adicionalmente, o Governo irá "dar continuidade ao desenvolvimento de mecanismos que acentuem a progressividade do IRS, revendo os respetivos escalões; caminhar no sentido do englobamento dos diversos tipos de rendimentos em sede de IRS, eliminando as diferenças entre taxas; e eliminar e reduzir, progressivamente, os benefícios e deduções fiscais com efeitos regressivos, reforçando a transparência e a simplificação do sistema fiscal", diz o documento.
A polémica questão do englobamento (de rendimentos prediais, por exemplo, que podem passar a ser mais taxados, dependendo dos casos) esteve em debate nas últimas semanas, mas entretanto há sinais de que essa reforma fiscal pode não acontecer já em 2020. Talvez deslize para 2021.