"Capitalismo de Estado", setor privado e PCC na China (II)

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A política de abertura e reformas na China foi iniciada em 1979, mas só no final da década de 1990 se começou a privatizar e a reduzir significativamente o setor empresarial estatal chinês. Em meados da década de 2000, o capitalismo estatal da China incidiu principalmente sobre a gestão das grandes empresas estatais (SOE) e o seu contributo para o crescimento económico, a criação de riqueza do Estado, e os interesses económicos e estratégicos no país e internacionalmente. Este papel limitado das SOE deixou um amplo espaço para as empresas privadas crescerem, um fenómeno capturado na expressão chinesa: "Os privados avançam, o Estado recua".

E, com efeito, as empresas privadas cresceram e prosperaram. Este crescimento levou à criação de grandes conglomerados com dimensão mundial - como a Tencent ou a Alibaba - e, pela primeira vez, a China passou a ter empresas líderes em áreas de IT, processamento de pagamentos e economia digital. Mas esta acumulação de poder económico levantou muitas sobrancelhas no PCC, onde o materialismo histórico tem raízes profundas - se a infraestrutura económica for dominada por grandes corporações privadas, mais tarde ou mais cedo essas corporações determinarão a superestrutura política... Mesmo assim, continuou a permitir-se o desenvolvimento do setor privado, embora com restrições impostas com base em necessidade de maior justiça social - batizada de "prosperidade comum".

Alguns dos maiores grupos privados que se formaram na China nas últimas duas décadas tiveram fácil acesso a crédito, disponibilizado pelos bancos estatais. Utilizaram esse crédito não apenas para crescerem domesticamente mas também para se internacionalizarem nos mais diversos setores. Nos últimos anos, a ganância em vários destes grupos levou-os a dar passos maiores que a passada, incorrendo em incumprimento relativamente ao pagamento de mútuos bancários, o que levou à intervenção do Estado em alguns dos maiores conglomerados do país, como a seguradora Anbang e o grupo HNA.

CitaçãocitacaoO crescimento extraordinário da China - em especial em setores tecnologicamente avançados - tem vindo cada vez mais a ser assegurado pelo setor privado e a liderança do Estado-Partido chinês sabe bem que assim é.esquerda

Os grandes grupos privados, até então vistos como geradores de um crescimento acelerado em virtude de relevantes investimentos, criadores de significativo emprego, geradores de melhores práticas de gestão e beneficiando da escala do gigantesco mercado chinês, perderam a sua aura de respeitabilidade e passaram a ser vistos também como potenciais riscos para a estabilidade do sistema bancário e financeiro e entidades que drenavam para investimentos no estrangeiro (em setores não-estratégicos para o Estado chinês) fundos significativos que podiam ter sido utilizados no desenvolvimento da economia nacional. Os grandes grupos privados deixaram de ser considerados de confiança e a liderança do PCC começou a criar mecanismos para assegurar um maior alinhamento com o interesse nacional tal como definido pelo Estado-Partido. Daí ao incremento de células partidárias nas empresas privadas, em especial nas grandes corporações, foi um passo. Como tal vai evoluir é uma incógnita.

A pulsão para co-mandar em empresas privadas provavelmente existe no departamento de organização do partido. Mas o crescimento extraordinário da China - em especial em setores tecnologicamente avançados - tem vindo cada vez mais a ser assegurado pelo setor privado e a liderança do Estado-Partido chinês sabe bem que assim é.

Consultor financeiro e business developer
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