Capital de risco desvia novas tecnológicas da Bolsa

Este ano, só houve 5 empresas tecnológicas a abrirem capital ao público. Estas companhias querem manter-se o mais independentes possível e controlar a estratégia.
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As empresas tecnológicas com menos de 10 anos estão a fugir ao toque do sino da Bolsa. O número de ofertas públicas de venda (IPO, na sigla original) destas companhias caiu mais de 85% nos últimos dois anos. A culpa é do forte crescimento dos fundos de capital de risco e das cada vez maiores rondas de investimento privadas, revela relatório divulgado esta segunda-feira pela publicação europeia Tech.eu.

Em 2017, houve 36 IPO de scaleups tecnológicas (com crescimento anual acima dos 20%); em 2018, houve 21 empresas que abriram o capital ao público. Nos primeiros nove meses de 2019, apenas cinco scaleups seguiram este caminho para se financiarem. Este número não deverá aumentar até ao final deste ano, refere o documento elaborado em parceria com a empresa de pagamentos Stripe.

"A maioria das tecnológicas em estado scaleup prefere ficar com capital privado tanto quanto possível e independente de grandes empresas cotadas ou não cotadas. Há mais capital privado no mercado do que nunca para empresas em crescimento", assinala Robin Wauters, diretor do Tech.eu e um dos autores deste relatório.

O especialista lembra ainda que estas empresas "tendem a evitar a burocracia e a incerteza que existe numa entrada em bolsa e a necessidade de divulgarem as contas todos os meses. Preferem escolher um investidor ou um grupo de investidores privados para entrarem na administração e ajudarem a acelerar o crescimento".

Fundada pelo português José Neves, a Farfetch tem sentido esse incómodo no último ano. Em setembro de 2018, o mercado fixou em 20 dólares o preço por ação da plataforma que quer transformar a moda de luxo. Na última sessão, cada título da tecnológica na Bolsa de Nova Iorque valia 8,54 dólares, menos de metade do preço inicial. Outro exemplo é o da Uber, que abriu o capital ao público em maio a 45 dólares por ação e já viu as ações recuarem para 31,37 dólares.

Mega-rondas disparam

Ao mesmo tempo, que as novas cotadas tentam conquistar o público, não falta capital privado para gerar novos unicórnios - empresas avaliadas em pelo menos mil milhões de dólares.

Desde 2015, houve 110 mega-rondas de investimento, isto é, acima dos 100 milhões de euros. Quase metade delas (52) foram registadas entre janeiro e setembro deste ano, num total de 12 mil milhões de euros (pouco mais do que o valor em bolsa da Galp). Quatro vezes mais do que em 2016 e mais do que 2017 e 2018 juntos.

Até ao final do ano, esperam-se outras 70 rondas de financiamento desta magnitude. Se isso acontecer, poderá ser ultrapassado o valor total de injeções de capital deste patamar no conjunto dos três anos anteriores.

Houve três empresas com ADN português que conseguiram rondas de financiamento desta dimensão: a Talkdesk, que recolheu 100 milhões de dólares em outubro de 2018; a Outsystems, que angariou 360 milhões de dólares em junho de 2018; e a Farfetch, que obteve 397 milhões de dólares em junho de 2017 - a última ronda privada antes do IPO.

Cada uma destas rondas de investimento vale, em média, 150 milhões de euros. Reino Unido, Alemanha, Israel, Suécia e França, por esta ordem, são os cinco países onde são mais captadas capital nestas rondas. No entanto, três quartos do dinheiro injetado nas tecnológicas veio de fora da Europa, de empresas sediadas nos Estados Unidos, Japão, África do Sul, Hong Kong, Singapura e China.

Só o japonês SoftBank, que possui um dos maiores fundos de capital de risco do mundo, o Vision Fund, foi responsável por cerca de quatro mil milhões de euros de investimento desde 2015. Menos de metade do valor - cerca de 1,4 mil milhões de euros - foi colocado pelo segundo classifcado, o Insight Venture Partners.

"Quanto mais capital privado houver, mais oportunidades as scaleups tecnológicas podem ter para construírem o seu rumo", lembra Robin Wauters. E no rumo longe do público, é possível "remunerar os empregados ou investidores pela sua confiança e compromisso sem terem de entrar em bolsa". Ou seja, mais dividendos e salários pagos em ações.

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