Cannes. Revelações e momentos

Olhar pelas sensações e figuras de um festival com uma seleção diversa e com cinema que apontou pistas para o futuro desta arte. A 75ª edição de Cannes teve muitos deslumbramentos.
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Pamfir, a Ucrânia à flor da pele

Da Ucrânia chegou um filme que todos aplaudiram, Pamfir, de Dmytro Sukholytkyy-Sobchuk , feito antes da invasão russa. Cinema que repensava um espaço concreto: a fronteira com a Roménia e toda a problemática com a tradição do contrabando. Na Quinzaine foi talvez o título mais mediático devido à sua origem mas é importante ser respeitado pelo seu calibre de objeto cinematográfico puro. Eis um filme que constrói bem a sua tensão.

Um burro chamado EO

Um burro entre a Polónia e a Itália. Muitas vezes, na maior parte, o ponto de vista é dele. Um burro inteligente que em EO, do polaco Jerzy Skolimovsky, vê as misérias da condição humana nos nossos dias. Depois da vaca de Vaca, de Andrea Arnold, Cannes volta a oferecer-nos o olhar animal. Porque a besta é o homem...Antes de nova aventura com Polanski, este cineasta veterano está cada vez mais jovem a filmar...

Atrizes de L'Innocent

Pode uma atriz atingir o coração do espetador? A coisa mais fácil em Cannes este ano foi ficar apaixonado pela vivacidade e a explosão emocional de Mélanie Merlant nesse ligeiro mas indomável L'Innocent, o mais conseguido de Louis Garrel. Um filme a tombar de amores pelas suas atrizes: o que dizer da mãe romântica de Anouk Grinberg? Uma maturidade selvagem de alguém que merece maior ribalta no cinema francês.

Rory Kinnear x 7 em Men

Foi um dos melhores filmes vistos nos ecrãs de Cannes. Men chegou à Quinzaine (sessão especial) já com fama boa vinda do seu país de origem, a Inglaterra, e não desiludiu. Ensaio performativo sobre a masculinidade tóxica, trata-se de uma viagem ao imaginário do pesadelo rural inglês. Os homens do título são muitos e interpretados pelo genial Rory Kinnear, metáfora de um mal muito britânico. Um ator capaz de tudo e ainda mais...

Irão, terra dos homens que odeiam as mulheres

Num festival que nos deu a vibração dos males do mundo, houve um país em foco em dois filmes: a produção nórdica Holy Spider, de Ali Abbasi que imaginava na Jordânia a cidade santa de Masshadi, e o bem iraniano Leila's Brothers, de Saeed Roustayi, que nos transporta para crise económica em Teerão após sanções de Donald Trump. Filmes que expõem um machismo aberrante e um mal-estar sufocante. Ambos a recusar filtros ocidentais. Que acontecimentos!

A descoberta definitiva de Nadia Tereszkiewicz

Já a conhecíamos de Selvagens, onde contracenava com Catarina Wallenstein. Em Les Amandiers, uma das melhores obras da competição, é o fogo a arder e o espelho da sua realizadora, Valeria Bruni Tedeschi. Nadia Tereszkiewicz foi uma das musas de um festival onde o politicamente correto faz recusar essa mesma expressão. Um caso de flirt em carne viva com a câmara. Uma atriz de uma energia luminosa. Percebe-se porque está na moda.

Bowie "mixado" por Brett Morgen

Cannes teve muito signos, desde olhares militantes às novas formas de naturalismo, mas a meio do festival chegou fora de competição um objeto raro que nos fez olhar e ouvir os filmes seguintes "under the influence". A culpa foi de Moonage Daydream, objeto experimental sobre a experiência de David Bowie, o artista e homem. Brett Morgen que tinha feito o mesmo com Kurt Cobain em Cobain: Montage of Heck. Aqui pega em imagens inéditas, videoclipes, entrevistas, arquivos e espetáculos e põe-nos a falar com o Camaleão. Uma sensação de pertença a um mundo de uma beleza alucinante. Cinema para se ver apenas num grande ecrã com o melhor sistema de som possível.


As Palmas de Ouro portuguesas

Da imprensa portuguesa naturalmente houve divisão acerca da Palma de Ouro para cada jornalista. Esta foi uma seleção oficial feita para polarizar, impossível apostar em consensos. Tiago Alves, da Antena 1 votou em Holy Spider [foto], a mesma votação da colega Lara Marques Pereira e de João Antunes, do JN, enquanto que José Vieira Mendes, da HD Magazine, daria o ouro a Armageddon Time, de James Gray. Jorge Pereira, da C7nema, preferiu antes EO, o tal filme do burro...

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