Oh, it"s a long, long while from May to December But the days grow short When you reach September.(Kurt Weill e Maxwell Anderson, September Song).Para quem se habituou a contar os anos pelo calendário escolar, Setembro, mais do que o mês em que nos abandona o verão, é o princípio de um ano novo, de um ciclo novo e ganha, sob os seus tons outoniços, um brilho de promessa..É verdade que os dias se fazem mais curtos e o tempo mais contado, mas dos nossos dias de estudantes e de trabalhadores trazemos, mesmo quando já pouco o justifica, esta ideia de que o novo ciclo que se abre em cada outono é portador potencial de surpresa e novidade..À medida que avançamos nos anos tornamo-nos menos capazes de sentir os sinais da mudança e o brilho do novo. Lemos demasiados livros para podermos suportar as novidades literárias e isso faz-nos perder aquela obra inovadora que se esconde, como o desenho no tapete da novela de Henry James, no meio do tumulto das novas edições. Vivemos demasiados ciclos históricos para podermos sentir, por detrás de toda a dominação e de toda a impostura, o apelo forte da mudança. Caímos num pessimismo estéril que, aliás, o Velho do Restelo não partilhava, uma vez que o seu discurso é todo ele de denúncia e desmistificação..A beleza de setembro está toda no diluir do verão em luzes calmas e frios súbitos, no anúncio do outono que vem devagar até nós. Não sei o que nos preparam as mudanças climáticas, talvez a secura e o fogo, talvez o anular das estações, mas sempre ficarei apegado a esta tranquila transição de setembro, mesmo que ela venha um dia a desaparecer..Continuo, assim, mesmo agora, na disponibilidade em termos profissionais, a sentir este mês que agora chega como um recomeço e um regresso. Há na minha mente um novo ano letivo que se abre, livros e cadernos para comprar, tarefas a cumprir, acontecimentos que esperam. Regresso de férias com poucos livros lidos e pouca matéria escrita, mas com a sensação de ter vivido comigo próprio e de ter estado com os outros, isto de uma maneira mais funda e mais íntima e sem outros limites que os da minha incurável distração....Nessa melancólica tendência, que carateriza esta idade, de reler os conhecidos em vez de abrir os livros novos, troquei a certa altura, nestas férias, os livros que trazia para ler por um exemplar de O Mundo de Ontem de Stefan Zweig, que já li várias vezes..Partilho (e não partilharemos todos?) com estas memórias de Zweig a consciência aguda de que a nossa velhice nos fez chegar a um país estrangeiro. Trazemos connosco o desejo e a memória, seguem-nos os sonhos todos por cumprir, mas somos já pouca coisa para a vida. Viajantes noturnos, olhamos para as estrelas e passamos a entender do lado de fora tudo o que vive à nossa volta, como uma língua estrangeira que não desconhecemos, mas que levamos algum tempo a traduzir..Ser fiel à vida é saber entender a língua que se fala neste país estranho, e não obstante familiar, a que viemos ter, sabendo-nos a ele estrangeiros, mas aprendendo a conhecer os seus termos e os seus modos. Foi o mesmo que afinal fiz durante toda a minha vida, saltando de lugar em lugar e de país em país. É como se a nossa casa tivesse fugido de nós, numa irreversível migração para outro lado, deixando-nos sem defesas diante da estranheza que afinal sempre trouxemos connosco. Talvez encontrarmo-nos assim, como num país estrangeiro na nossa própria terra, seja a revelação de nós a nós próprios que nos faltava viver..Mas eu não sei se conseguirei ainda ver o desenho no tapete e sentir outra vez no declínio de setembro a promessa do novo.. Diplomata e escritor