Canadá tem uma nova MNE que está na lista negra do Kremlin
Vem aí uma nova era nas relações internacionais. É esta a perceção dominante e comentário frequente entre os analistas. Atento aos sinais dos tempos - e ao facto de o Canadá estar geograficamente localizado entre os Estados Unidos e a Rússia, o chefe do executivo de Otava, Justin Trudeau, acaba de proceder a uma remodelação governamental em que se destaca a entrada de uma antiga jornalista e ex-ministra do Comércio, Chrystia Freeland, para a pasta dos Negócios Estrangeiros.
O que torna relevante a escolha de Freeland é o facto de ter sido correspondente em Moscovo e Kiev, de ter escrito livros sobre a sociedade russa e sobre a americana. Nos primeiros retrata a ascensão dos oligarcas e a relação destes com Vladimir Putin; nos segundos, de acordo com a imprensa canadiana, analisa as transformações sociais nos EUA que anteciparam a vitória de Donald Trump.
Pelas suas reportagens sobre o poder político de Moscovo, a atuação do Kremlin na Chechénia e a invasão da Crimeia, Freeland foi incluída numa lista de pessoas que estão proibidas de viajar para a Rússia. Uma decisão tomada em 2014 e que abrangeu outros jornalistas canadianos igualmente críticos do regime de Putin.
Ontem, um porta-voz da diplomacia russa, citado pela RIA, afirmava que o levantar das sanções a Freeland é uma questão de "reciprocidade". Ou seja, o Canadá tem de tomar idêntica medida face a, pelo menos, um dirigente russo alvo de sanções por causa da anexação da Crimeia e da intervenção no Leste da Ucrânia para Moscovo decidir no mesmo sentido no caso da MNE canadiana. O mesmo porta-voz indicou que o facto de Freeland estar impedida de viajar para a Rússia não significa que não possa ter contactos com diplomatas deste país.
A escolha de Trudeau não é inocente. A antiga jornalista, de 48 anos, tem raízes familiares na Ucrânia e é fluente em russo. Ficará não só com a gestão da diplomacia mas igualmente da sua vertente económica. O que aqui será relevante para o relacionamento bilateral com os EUA. Donald Trump avisou, durante a campanha, que pretende renegociar o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês), que abrange Canadá, México e EUA, o que pode originar algumas tensões.
Os EUA continuam a ser o principal parceiro comercial do Canadá e atendendo à anterior experiência governativa de Freeland - a pasta do Comércio - e ao facto de ter estado no centro da negociação do tratado de comércio livre entre o Canadá e a União Europeia, é considerado particularmente relevante. O tratado, que motivou as reticências da Valónia em outubro passado e quase puseram em dúvida a sua concretização, acabou por ser assinado. Na altura, Freeland comentou o acordo como exemplo de que o necessário "é construir pontes, não erigir muros". Se a frase pode ser interpretada como crítica a políticas protecionistas, não é difícil imaginar quem era o outro alvo de Freeland: Trump.
Naquela que é a primeira remodelação importante desde que chegou ao poder com uma clara vitória em outubro de 2015, as mensagens diplomáticas surgem como o elemento mais importante. Não só Trudeau escolheu como ministro dos Negócios Estrangeiros uma pessoa com uma relação contenciosa com Moscovo, ao mesmo tempo que Trump escolheu para secretário de Estado Rex Tillerson, considerado próximo de Putin, como - ao contrário da tradição - fez uma nomeação política para embaixador em Pequim, John McCallum, ex-ministro da Imigração. Gesto interpretado como o desejo de reforçar as relações bilaterais com a China. Em regra, é um diplomata de carreira a chefiar a embaixada canadiana na capital chinesa.
Freeland foi correspondente em Kiev, primeiro, e depois em Moscovo para o Financial Times. É casada e tem três filhos. Trocou o jornalismo pela política em 2013, quando aderiu ao Partido Liberal, sendo candidata a deputada pelo círculo de Toronto.
[artigo:4871936]