Quando olhamos a imagem de um grupo de seres humanos, que vemos? Conseguimos, pelo menos, supor as infinitas singularidades de cada um desses seres? Ou identificamos tão-só uma ideia de grupo, mais forte do que qualquer diferença individual? Esta fotografia de migrantes turcos a ouvir instruções para a sua viagem para a Alemanha convoca-nos, antes de qualquer possível racionalização, pela sua atualidade emocional, porventura simbólica - sabemos das dramáticas convulsões da nossa Europa no século XXI e, seja qual for a leitura política que delas façamos, a imagem toca-nos..Em boa verdade, trata-se de uma imagem obtida há mais de 40 anos pelo suíço Jean Mohr (1925-2018). Surgiu em 1975 no livro A Seventh Man, resultante da conjugação das suas fotografias com textos do escritor inglês John Berger (1926-2017), tendo como tema agregador os movimentos de populações na Europa do começo da década de 70. Com o título Um Sétimo Homem, tradução e posfácio de Jorge Leandro Rosa, esse livro é, agora, um pequeno grande acontecimento no panorama editorial português (ed. Antígona)..Não posso esconder que o fascínio que o livro me provoca envolve, da minha parte, uma resistência conceptual. E não necessariamente porque os modos de expressão das ideias políticas pertencem a uma conjuntura que, como é óbvio, não encontra qualquer duplicação automática no nosso presente..Acontece que a conjugação de palavras e imagens me parece, por vezes, pouco consistente, já que a identificação das situações mostradas implica a consulta de um índice remissivo, no final do livro, esclarecendo para que situação ou país (Bósnia, Itália, Alemanha, Portugal, França, etc.) remete cada uma das fotografias. E, nesse vaivém "obrigatório", o livro perde, a meu ver, alguma coesão..Seja como for, essa resistência reforça o meu fascínio pelo essencial. A saber: um novo projeto de linguagem elaborado através do que lemos e vemos em Um Sétimo Homem (o título provém de um poema do húngaro Attila Jószef que começa com estes dois versos: "Se queres meter-te a caminho neste mundo,/ mais vale nele nascer sete vezes.")..Aliás, creio que devemos usar o plural e falar de projeto de linguagens. Não apenas porque se trata de criar uma aliança inovadora entre o "escrito" e o "fotografado". Sobretudo porque os termos dessa aliança estão muito para além de qualquer noção simplista de "descrição" ou "legendagem"..Nesta perspetiva, mais do que através do tema das migrações, podemos descobrir em Um Sétimo Homem uma atualidade realmente perturbante. Porque, em última instância, aquilo que se discute é a própria ilusão jornalística (de algumas formas de jornalismo, entenda-se) segundo a qual a mera acumulação de imagens e palavras nos aproxima automaticamente da complexidade do mundo - e da nossa própria complexidade enquanto indivíduos e cidadãos. Vale a pena lembrar que, por esta altura (1972), Berger tinha escrito e apresentado uma admirável série da BBC, em quatro episódios de meia hora, sobre a coabitação das imagens - da pintura mais tradicional à publicidade - no nosso quotidiano. Chamava-se Ways of Seeing e deu origem a um livro homónimo (Modos de Ver, ed. Antígona), hoje um clássico absoluto na literatura sobre a dimensão visual das nossas existências..Também em Um Sétimo Homem, Berger cruza diversas referências e registos, desde a estatística económica à especulação filosófica, passando pela crónica romanesca. O que envolve uma moral: dar a ver o mundo não é um poder universal, muito menos incontestável, que se legitime pelo uso de uma câmara (de imagens fixas ou em movimento)..Trata-se de saber, portanto, que tipo de atitude assumimos quando contamos uma história sobre esse mundo em que vivemos. Num ensaio datado de 1982, incluído numa antologia de textos, precisamente sobre fotografia (Understanding a Photograph, Penguin Books, 2013), Berger propõe esta fórmula maravilhosa: "As histórias caminham, como os animais ou os homens." E explica: "(...) os seus passos não se dão apenas entre os acontecimentos narrados, mas entre cada frase, por vezes cada palavra."