Calita, o pioneiro português que nunca chegou a jogar na Premier League

O primeiro português a ser contratado por um clube da Premier League reconhece que lhe "faltou cabeça" no futebol. Chegou a dar autógrafos a polícias de Coventry. Hoje, aos 44 anos, é estrela no futevólei
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Numa altura em que se celebram os 25 anos daquela que se transformou na principal liga de futebol do mundo - a era da Premier League arrancou oficialmente a 15 de agosto de 1992 - o DN foi à procura do primeiro português a fazer parte de um plantel do principal campeonato inglês desde que tem aquela denominação. Calita? Para a maioria das pessoas, vamos admiti-lo, é esta a reação quando confrontada com o nome do primeiro jogador luso contratado por um clube da Premier League.

Estávamos em 1995, o campeonato inglês ia entrar na quarta época com esta designação, e o Farense embolsava 150 mil libras com a transferência do seu então jovem médio para o Coventry. A época nos leões de Faro tinha sido fantástica - a melhor de sempre, com Paco Fortes, um 5.º lugar que valeu bilhete europeu - e Carlos Alberto Batista, o nosso Calita, viu-se, de um momento para o outro, a fazer as malas, cheias de "ambição, vontade e muita força".

Curiosamente, o destino inicial não era o Coventry, mas sim o Blackburn, então o campeão inglês, treinado por Kenny Dalglish. O português até agradou nos testes, ia assinar, mas a proposta, afinal, não era nem parecida com a anunciada. "Foi um choque", diz Calita. O empresário, porém, emendou a situação e abriu-lhe as portas do Coventry, onde permaneceu uma época, ao lado de gente famosa: o treinador Ron Atkinson e jogadores como Peter Shilton, Gordon Strachan, Gillespie e outro jogador contratado no futebol português; o brasileiro Isaías.

"Chegámos na mesma altura e andava sempre com ele. Tínhamos tradutores, mas aquilo não era nada fácil, e, ainda por cima, só podiam jogar três estrangeiros em simultâneo", conta Calita, lembrando que Isaías era "um nome sonante", em especial depois daquela exibição inesquecível pelo Benfica perante o Arsenal, mas, mesmo assim, "era preciso encaixar" num tipo de futebol bem diferente daquele a que estavam habituados. "Fiz o meu papel, embora hoje reconheça que não era maduro o suficiente para encarar aquela realidade. E ganhava bem menos do que a verba que me fora proposta", prossegue, justificando a escassa utilização - esteve no Torneio Internacional do Porto, um quadrangular com FC Porto, V. Guimarães e Deportivo da Corunha, e, depois, atuou sempre na equipa secundária do Coventry.

Para os ingleses, ficou sendo o "Carlita", tipo alcunha da alcunha que já tinha, o que o médio ofensivo acolheu de bom grado, sobretudo porque dos fãs só tem boas recordações. "Os adeptos são fanáticos, já se sabe, mas não são só eles. Lembro-me de uma ocasião, estava ainda há pouco tempo na cidade, em que fui dar uma volta pelas redondezas. Perdi-me e não dava com o regresso. Pedi ajuda a dois polícias, que se prontificaram a levar-me à residencial onde estava instalado, e, quando souberam que eu era o "Carlita", o novo reforço, até me pediram autógrafos". Na altura, tinha 22 anos, quase todos vividos no Algarve - nasceu em Angola e chegou a Albufeira ainda era menino de colo.

"Sabia que tinha sido dos primeiros portugueses a ir para a Premier League, mas logo o primeiro...", comenta, reconhecendo, mais uma vez, que teve "pouca cabeça" para construir uma carreira em Inglaterra. "Faltou-me força mental. Era jovem e tive quebras. Hoje, fazia tudo diferente, a começar pela exigência do contrato combinado. Confiaria menos em certas pessoas, também é verdade, mas de uma coisa tenho a certeza: ninguém me tira esta experiência de vida!", assume, contando novo episódio da vivência em Conventry. "Para o Isaías não foi igualmente nada fácil. Exigiam-lhe que fosse à linha cruzar para a cabeça do matulão que estava na área e pediam-lhe para fazer carrinhos a meio-campo", atira Calita, ao mesmo tempo que dá duas gargalhadas e confidencia que ainda hoje mantém estreita relação com o brasileiro que vingou no Benfica.

Depois do Coventry voltou a Portugal e rumou ao Boavista, onde Manuel José era o treinador. Uma passagem fugaz, precedendo a estadia na Madeira, ao serviço do Nacional, acabado de subir à Honra e que tinha no plantel, entre outros, Costinha e Fernando Aguiar. "Estive lá cinco meses e não me adaptei. Foi mais um erro na minha carreira, até porque o clube estava a crescer imenso, mas o que queria mesmo era regressar ao Algarve". Dito e feito. Calita iniciou então um extenso périplo pelos emblemas algarvios, do Louletano ao Lusitano de Vila Real de Santo António, Messinense, Imortal e Guia, entre outros. Na época passada, pese os seus 44 anos, ainda jogou no Santaclarense, de Santa Clara a Velha, emblema do Distrital de Beja. E tudo isto sem largar a outra paixão da sua vida: o futevolei.

"Devo jogar futevolei há cerca de vinte anos. De início, era só nas férias, na Praia dos Pescadores, com a malta do futebol de onze, mas o bichinho ficou". Sempre que o emprego na Câmara Municipal de Albufeira o permite, Calita faz dupla com o primo, Miguel Pita, e participa em torneios e circuitos espalhados pelo país, com alguns bons resultados e vitórias. "Agora, quero recuperar de uma lesão no joelho para continuar a jogar. Sinto-me bem e ainda não vou parar".

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