Brasil perde segundo ministro da saúde durante a pandemia
O Brasil vai para o terceiro ministro da saúde durante a pandemia de coronavírus: Nelson Teich demitiu-se nesta sexta-feira, menos de um mês depois de tomar posse em substituição de Luiz Henrique Mandetta. Os dois saíram por não concordarem com as posições de Jair Bolsonaro face à doença.
As secretarias estaduais de Saúde, entretanto, confirmavam ao início desta sexta-feira 207.401 casos do novo coronavírus no Brasil, com 14.217 mortes. O país ultrapassou esta semana Alemanha e França e já é o sexto com mais casos em números absolutos.
Teich, assim como Mandetta, defendia o isolamento social, ao contrário do presidente, e tinha resistências à hidroxicloroquina, medicamento no qual o Palácio do Planalto deposita enormes esperanças no combate ao covid-19, apesar de estudos científicos não corroborarem essa opinião.
O oncologista, com longa carreira como médico e como empresário da área da saúde, vai ser substituído pelo general Eduardo Pazuello, secretário-executivo do ministério. Osmar Terra, ex-ministro da cidadania e médico alinhado ao pensamento de Bolsonaro, é considerado alternativa a médio prazo.
"A vida é feita de escolhas e eu hoje escolhi sair", justificou Nelson Teich, à saída. "Não aceitei o convite pelo cargo, aceitei porque achei que podia ajudar o Brasil", concluiu.
A demissão de Teich começou a desenhar-se terça-feira em direto nas televisões: o ministro foi informado pelos jornalistas, a meio da conferência de imprensa diária sobre a pandemia, de que Bolsonaro havia decidido abrir setores da economia, como os ginásios, as barbearias e as manicures, considerados "essenciais" pelo governo.
Surpreendido e constrangido, o agora ex-ministro teve de confirmar a informação com a assessoria para depois reconhecer que não fora consultado. Bolsonaro, por sua vez, minimizou o facto, argumentando que "não há como pedir a opinião dos ministros sobre tudo".
Mas a gota de água foi a hidroxicloroquina: apesar de os resultados sobre a eficácia e segurança do medicamento não serem animadores, Bolsonaro quer disseminar o seu uso nos hospitais públicos do país. Por discordar e alertar para os efeitos colaterais, Teich começou a ser bombardeado por apoiantes do presidente nas redes sociais, o mesmo processo que antes vitimara Mandetta.
O próprio Mandetta reagiu à saída do seu sucessor escrevendo nas redes sociais "oremos". "Foi um mês perdido", continuou.
Outro recém demitido do governo, o ex-titular da justiça Sergio Moro falou em "cenário difícil". "Em plena pandemia, 13.993 mortes até ontem [quinta-feira]. Números crescentes a cada dia. Cuide-se e cuide dos outros".
João Doria, o governador de São Paulo, afirmou que "não estamos em nenhum campeonato de jet ski", aludindo ao desporto que Bolsonaro vem praticando aos fins-de-semana em plena pandemia, "governe".
Wilson Witzel, homólogo de Doria no Rio de Janeiro, acrescentou que "é mais um herói que se vai". "Minha solidariedade, ministro Nelson Teich. Presidente Bolsonaro, ninguém vai conseguir fazer um trabalho sério com a sua interferência nos ministérios e na Polícia Federal. É por isso que governadores e prefeitos precisam conduzir a crise da pandemia e não o senhor, presidente".
Para Flávio Dino, governador do Maranhão, "a confusão que Bolsonaro cria é única no planeta." "Espero que as instituições julguem o quanto antes a produção de tantos desastres, entre os quais a demissão de dois ministros da Saúde a meio de uma gigantesca crise sanitária. O Brasil merece uma gestão séria e competente."
No Congresso Nacional, a maioria dos partidos lamentou a saída e a condução da pandemia por Bolsonaro. Incluindo um dos seus maiores aliados, o senador Major Olímpio, hoje em rota de colisão com o governo: "No dia em que Nelson Teich aceitou ser ministro eu disse que ele não ficava mais de 30 dias ou se não teria de rasgar o seu diploma de médico e a sua biografia. Pois Teich não quis rasgar o seu diploma, nem jogar fora a sua história de vida. Ele ficou do lado da ciência e do lado da medicina."
Organismos e entidades da saúde lamentaram mais uma demissão, assim como o bastonário dos advogados, Felipe Santa Cruz, para quem Bolsonaro, "com método e paciência, vai destruindo o Brasil e semeando a morte e o descrédito".
Natural do Rio de Janeiro, Teich viveu a maior parte dos seus 62 anos na Barra da Tijuca, a mesma zona da cidade onde mora Bolsonaro, de quem foi consultor na campanha eleitoral.
Segundo o seu perfil profissional, formou-se em medicina na Universidade do Estado do Rio em 1980, cursou duas especializações em oncologia, de 1985 a 1987, no Hospital de Ipanema, e, entre 1987 e 1990, no Instituto Nacional do Cancro, onde fez residência médica.
Desde então, o seu foco foi unir medicina à gestão. Em 2007, fez um curso de Expert Workshop in the Socio Economic Evaluat na Universidade de York, no Reino Unido, e no mundo empresarial, ajudou a fundar as Clínicas Oncológicas Integradas, que presidiu até 2018, entre outras atividades.
A nomeação de Teich veio na sequência da demissão traumática de Mandetta, um ortopedista que se tornou popular no Brasil com os seus boletins diários sobre a doença.
Anunciada sob panelaços - protestos ruidosos nas varandas - a saída do primeiro dos dois ministros da saúde foi justificada por Bolsonaro por sentir "que o remédio seja mais danoso do que a próprio doença" - numa referência ao isolamento social e ao desemprego.
Bolsonaro chegou a considerar o coronavírus "uma gripezinha" e disse que Mandetta, cuja popularidade subiu a pique desde o início da pandemia ao contrário da do presidente, estava a ser "arrogante" e "a falar de mais".
Mandetta e os seus secretários de estado, antes da demissão, já se haviam afirmado "cansados" por estarem a remar numa direção diferente da do chefe de estado. O ministro disse ainda que só tinha ciência para oferecer, para algo além disso não estava disponível.