Caça à raposa: Os argumentos dos caçadores contra o projeto de PAN, PEV e BE

A Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade (ANPC) de elaborou um documento para explicar aos deputados porque é "desadequada" a proposta que vai hoje ao Parlamento para proibir a caça à raposa. Acusa PAN, PEV e BE, autores da proposta, de tentar "apresentar raposas e saca-rabos com pele de cordeiro", diz que os caçadores e os agricultores "sabem bem a importância que estes predadores têm nos nossos ecossistemas" e explica os riscos dessa proibição.
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PAN, PEV e BE apresentaram propostas que visam proibir a caça à raposa e saca-rabo. O que está aqui em causa e que problemas poderiam daqui resultar?

As propostas apresentadas por este conjunto de partidos demonstram claramente o seu cariz urbano. Demonstram ainda uma enorme desconsideração para quem vive nas zonas rurais, de quem só se lembram quando o País arde. Aí falam da necessidade de viabilizar e dinamizar o Mundo rural, as atividades tradicionais, etc. mas depois, na prática, o que propõe na Assembleia da República é exatamente o contrário. Estas propostas são um claro exemplo disso mesmo:

- Visam acabar com a Caça em Portugal (não se pense que tem implicações apenas na raposa, saca-rabos, como querem fazer querer), apesar de ser a caça uma das poucas atividades que têm viabilidade em muitos espaços rurais, sendo ainda fundamental para a preservação da biodiversidade (veja-se o exemplo do lince) e para a prevenção de incêndios;

- Como se não bastasse, irão ainda aniquilar os produtores pecuários, em especial os criadores de pequenos ruminantes (ovelhas e cabras), que no quadro atual (em que se caçam raposas e saca-rabos), já sofrem perdas enormes com os ataques destas espécies aos borregos e cabritos chegando a mais de 50% nas explorações extensivas.

Já para não falar nas explorações familiares de aves de capoeira que sofrem constantes ataques das raposas e que têm na caça a única forma de controlar as raposas. Aliás é às zonas de caça que vêm pedir apoio quando sofrem ataques, que por vezes destroem numa noite todo o trabalho e investimento de meses a criar galinhas para autoconsumo. A passarem tais propostas, não existindo alternativas legais de controlar as populações de raposas e saca-rabos, tememos mesmo que aumentem os casos de envenenamento, o que seria uma verdadeira catástrofe ambiental. Estes partidos denotam assim uma enorme irresponsabilidade, tamanhas são as consequências.

A ANPC acusa esses partidos de demagogia, manipulação e falsidade. Porquê?

Porque a fundamentação e preâmbulos destas iniciativas estão carregados disso mesmo: inventam definições e mentiras, fazendo querer que estão a preservar a natureza e os animais, quando é exatamente o contrário. Os caçadores e os agricultores são pessoas responsáveis e sabem bem a importância que estes predadores têm nos nossos ecossistemas. O que se pretende é regular as populações e não exterminá-las, como querem fazer transparecer. Basta ver que a raposa e o saca-rabos são espécies extremamente abundantes, que são caçadas desde sempre e nunca viram a sua existência em risco. Depois tentam apresentar raposas e saca-rabos com pele de cordeiro! Por mais que PAN, BE e PEV queiram, as raposas não são, nem nunca serão vegetarianas, apesar de comerem figos ou uvas quando estão maduros. Raposas e saca-rabos irão sempre atacar rebanhos e galinheiros, matando os borregos e cabritos recém-nascidos ou as galinhas e patos.

E graças ao seu carácter generalista e oportunista e à sua enorme plasticidade, adaptam-se a todas as situações e alimentam-se de um vastíssimo leque de presas animais, de vegetais, de lixo ou animais mortos. Desta forma, competem fortemente com os predadores especialistas, como o lince, que depende exclusivamente do coelho. Enquanto o lince corre o risco de desaparecer com a diminuição do coelho, já raposa e saca-rabos prosperam porque encontram outras alternativas alimentares, não deixando de predar sobre os coelhos.

Depois atacam a caça como "... uma das atividades que mais perturba a vida selvagem." Ora, olhando para o caso de Mértola, Capital Nacional da Caça, onde provavelmente se realiza anualmente a maior concentração de atos de caça (jornadas) em território nacional, importa não esquecer que é neste território (que segundo o critério do PAN estaria "altamente perturbado") que existe a mais rica cadeia alimentar e as mais abundantes populações de espécies emblemáticas e com elevado estatuto de conservação em Portugal.

Fala do lince ibérico?

Falo do lince-ibérico (que inclusivamente já tem elementos de segunda geração em território nacional, sendo a adaptação e reprodução um verdadeiro caso de sucesso), da maior densidade de águia-de-bonelli da Europa (com vários casais a apresentarem posturas com 3 crias viáveis quando na maior parte dos casos na Europa apenas criam 1 ou 2 jovens); dos vários casais de águia-imperial e mais de uma dezena de casais de águia-imperial-ibérica, até há bem pouco tempo extinta em Portugal.

Acrescem ainda a este território "altamente perturbado pela caça" muitas outras espécies desde a abetarda, o sisão, o cortiçol, o gato-bravo, etc. etc. Aquilo que o PAN alega é assim uma verdadeira e comprovada mentira, inadmissível a um partido que está representado na Assembleia da República.

O uso de matilhas na caça é comparado com as lutas de cães. Este argumento faz sentido?

Tais argumentos não fazem qualquer sentido. Aliás não podemos esquecer que esta mesma tentativa de colagem forçada e totalmente desajustada, entre duas coisas que nada têm a ver uma com a outra (caça vs. promoção de lutas de galos ou de cães), já havia sido ensaiada por PAN e BE com proposta conjunta para acabar com o uso de matilhas de cães na caça maior, proposta essa chumbada o ano passado, por larga maioria do Parlamento. Procuram agora atingir, uma vez mais, o seu objetivo último de acabar com a caça em Portugal, proibindo primeiro o uso de cães na caça à raposa (aliás o título da proposta do PAN refere explicitamente a proibição do recuso a matilhas) para depois, por efeito dominó, proibir o uso de matilhas e de quaisquer tipo e raças de cães nos atos de caça, o que seria o mesmo que acabar com a caça em Portugal.

Aliás, apesar do título da proposta do PAN versar apenas sobre a proibição de pau e matilhas na caça à raposa, bem como só é mencionada a raposa em toda a exposição de motivos, vem depois o PAN, de forma subreptícia, nada inocente, alterar cirurgicamente outros artigos que iriam proibir o uso de matilhas também na caça ao coelho-bravo e a caça a corricão à lebre. Demonstra-se aliás que o PAN, acompanhado pelo BE e PEV, pretendem deliberadamente cavalgar de uma proibição para outra, recorrendo à mais despudorada das demagogias e adaptando a letra e o espírito da lei a seu bel-prazer e de forma a justificar as suas propostas. Procurar que o parlamento legisle a proibição da caça à raposa e saca-rabos, no seu todo ou em parte, com base em tal argumentação, não tem o menor cabimento.

Mas por que razão?

Proibir o uso de cães na caça, com o argumento que dessa forma o Homem está a promover a luta entre animais (semelhante à luta de galos ou de cães de combate), sendo um verdadeiro absurdo, é ainda ofensivo para a comunidade de caçadores e é igualmente sinal de uma profunda demagogia e apanágio de quem de todos os métodos faz uso, para chegar aos seus fins. A caça revela-se cada vez mais como uma ferramenta essencial para gerir populações naturais e proibir o uso de matilhas na caça seria uma verdadeira catástrofe. Veja-se a importância que está a ter a nível europeu para controlar o avanço da peste suína africana. Aliás, se o Parlamento viesse a aprovar a proposta do PAN aceitando tal analogia, tal seria o mesmo que agora proibir os pastores de terem cães para proteger os seus rebanhos dos lobos e raposas, pois o pastor estaria também uma forma de promover a luta entre o cão pastor e o lobo ou raposa que atacasse o rebanho.

Será que essa será a próxima proposta do PAN? É que ao contrário da caça, onde os cães são usados maioritariamente para procurar, levantar, perseguir e cobrar a caça abatida, no caso do pastor e do seus cães, estes são efetivamente usados para "lutar" com lobos e raposas que ataquem os rebanhos. Aliás o ICNF promove inclusivamente a criação de cães de gado pera esse fim. Mas não ficaríamos por aí. Basta pensarmos na dona de casa que tem um gato no quintal para controlar os ratos? Não tarda, teremos o PAN a querer proibir gatos nos quintais, ou então açaimados, para que não lutem com os ratos.

O bem-estar dos animais é salvaguardado na caça?

Quanto ao bem estar dos animais: na natureza, a relação entre espécies que caçam e as suas presas, implica geralmente na morte da presa. Assim é entre o leão e a zebra, entre o lince e o coelho ou entre o caçador e a perdiz ou o javali. É inegável que o caçador desenvolveu uma profunda relação de simbiose com os seus cães para os ajudarem na caça, tratando-se de um fenómeno de coevolução. Os caçadores são assim os maiores defensores dos seus insubstituíveis companheiros de caça, como também procuram garantir que as presas que caçam, tenham uma morte imediata, evitando o sofrimento. A caça rege-se aliás por códigos de ética e conduta que, entre outros, impõem um profundo respeito pelo animal caçado e pela natureza em geral.

Dizem que a proposta demonstra desconhecimento, desde logo ao referir-se à caça à paulada - quando a caça de salto e de batida usa o pau para bater mato e assim espantar os animais. É desconhecimento ou tentativa de instrumentalização?

O tema da paulada não é mais que uma nova definição inventada pelo PAN para aquilo que é a caça com pau, quer no que diz respeito ao que está legislado, quer ainda em relação ao que é prática na atividade venatória. Importa desde logo esclarecer que na caça à raposa a corricão ou de salto e de batida com matilhas de cães, nunca se usa o pau para matar raposas à paulada, como erradamente é alegado pelo PAN. Inventaram a paulada para tentar passar a imagem de alguém a desferir golpes repetidos numa raposa, procurando ir buscar mais votos junto dos deputados. Acontece que tal imagem criada pela cabeça do PAN não existe. O pau na caça é usado quase exclusivamente para bater mato e silvas, procurando assim que os exemplares que estão a ser caçados saiam desses locais.

É assim sobretudo utilizado pelos batedores (elementos fundamentais em vários tipos de caça, desde logo ao coelho-bravo e nas montarias) e é ainda usado por um grupo residual de caçadores que caçam ao coelho-bravo, geralmente integrados em grupos com outros caçadores com arma de fogo, assumindo sobretudo a função de bater a caça. Muito esporádica e residualmente, poderão desferir um golpe com o pau num coelho em fuga ou imóvel na vegetação, valendo-se do seu mimetismo, o que é não apenas extremamente difícil de executar, como é extremamente difícil de ocorrer. Não obstante, quando ocorrem tais situações, resultam na morte instantânea do coelho ou lebre não existindo nunca golpes recorrentes num mesmo animal, como o PAN quer fazer crer, com a imagem da paulada.

Proibindo-se o uso do pau na caça, o tradicional cajado, como é que o PAN sugere que se bata no mato e silvas nas diversas formas de caça? São sobretudo os caçadores da província, do meio rural designadamente os mais velhos, os que, por insuficiência económica, por impossibilidade de tirar a licença de uso e porte de arma (designadamente por serem analfabetos), mas também por gosto de caçar com os seus cães ou desportivismo, que caçam de pau, normalmente o velho cajado de pastoreio. Seriam estes caçadores que usam o seu cajado para bater mato e silvas que passariam a estar impedidos de caçar com a proposta do PAN.

Relativamente à raposa, o impacto desta medida que, recorde-se é o título e motivação desse projeto de lei do PAN, será nulo por não se usar o pau na caça com matilhas a corricão. Matar uma raposa com um pau, como pretende fazer crer o PAN, é aliás uma impossibilidade na medida em que uma raposa não permite ao caçador aproximar-se o suficiente para lhe conseguir acertar com um pau. Não se conhece assim a utilização de pau no exercício da caça à raposa a corricão. Trata-se de mais um facto falso, deliberadamente criado pelo PAN para confundir e levar ao engano os demais deputados, na busca dos seus objetivos finais de proibir a caça.

Na exposição enviada aos deputados, consideram estas propostas "um verdadeiro atentado contra a caça, contra as populações rurais, contra os produtores pecuários e pequenos agricultores e contra a conservação da natureza e biodiversidade". Porquê?

Existe uma enorme irresponsabilidade dos proponentes, uma enorme indiferença ou pior, uma total desconsideração por quem habita ou desenvolve as suas atividades nos espaços rurais. Como se não bastasse, trata-se de um verdadeiro atentado à natureza. É uma total irresponsabilidade querer proibir a caça e o controle da raposa e saca-rabos que são predadores generalistas e oportunistas, extremamente abundantes, que comprometem o sucesso reprodutivo de várias espécies protegidas, como é o caso por exemplo da abetarda e várias outras aves estepárias. Isto sem esquecer o coelho-bravo, que é uma espécie basilar os ecossistemas ibéricos, a qual travessa uma das piores crises de sempre, com surtos repetidos de várias doenças. Se não se controlarem raposas e saca-rabos o coelho desaparecerá e, atrás do coelho, desaparece o lince, a águia-imperial, a águia-real, etc. etc.

O problema é que estes partidos que se inspiram nas correntes animalistas, olham apenas para o animal, e não para o ecossistema e as variadíssimas inter-relações entre espécies, incluindo necessariamente o Homem. Têm assim uma visão redutora e errada. Aliás o PAN chega a escrever no preâmbulo de uma das suas propostas que "A gestão de um ecossistema, tanto quanto se sabe hoje, consiste em criar condições para que este se mantenha estável, sem perturbação antrópica". Mas será que o PAN quer remeter-nos a todos para uma existência confinada às cidades, deixando o campo para os bichos? É que o Homem é parte integrante dos ecossistemas portugueses e europeus. Preservar os ecossistemas não é aquilo que os animalistas e o PAN nos querem impor. Preservar os ecossistemas é encontrar equilíbrios, gerindo habitats e populações naturais, assegurando ao mesmo tempo a sustentabilidade desses espaços com base nos equilíbrios biológicos mas também em equilíbrio com as atividades humanas presentes, gerando riqueza e sustentabilidade. Mas isto são os princípios universalmente aceites e defendidos pelas correntes ecologistas, das quais o PAN e os animalistas são verdadeiros inimigos.

Em que medida pode a caça ajudar a natureza?

O enorme sucesso verificado no processo de reintrodução do lince-ibérico em Portugal constituí um claro exemplo da importância da caça para a conservação da biodiversidade. Basta lembrar que foi na região de Mértola, território coberto na sua quase totalidade por zonas de caça e onde se faz uma gestão das populações cinegéticas exemplar incluindo necessariamente a caça e o controle de populações de raposa e saca-rabos, que as populações de coelho-bravo prosperavam, possibilitando a reintrodução dos linces criados em cativeiro. E com o enorme sucesso que se conhece. Em contraponto, na Malcata e em Moura-Barrancos onde muito se investiu com fundos públicos e comunitários para recuperar o coelho e poder introduzir o lince, mas sem que se fizesse controlo das populações de raposas e saca-rabos, nunca se conseguiu recuperar as depauperadas populações de coelho.

Foi assim, sem surpresas, que se decidiu que os linces seriam reintroduzidos, não na Reserva da Malcata nem na região de Moura Barrancos, mas sim no concelho de Mértola, terra que é considerada a Capital Nacional da Caça e onde a existem condições ideais para o lince, com uma enorme presença de presas (com destaque para o coelho-bravo e perdiz-vermelha) e a habitats bem geridos, todos eles inseridos em zonas de caça. É neste território que, à data de hoje, existem mais de 60 exemplares de lince-ibérico, entre os quais mais de 25 crias nascidas em liberdade, constituindo o processo de reintrodução desta espécie emblemática um caso de sucesso notável e inquestionável.

É neste território que se compatibiliza diariamente a gestão cinegética com a conservação da natureza, coexistindo para além do lince-ibérico outras espécies com elevado estatuto de conservação, incluindo diversos casais de águia-imperial, casais de águia-de-bonelli, casais de águia-real, etc., sucesso intimamente ligado à exploração cinegética e à gestão empreendida no território. Se porventura existissem dúvidas, este é um claro exemplo de que a caça e a gestão cinegética são elementos fundamentais para a viabilidade dos nossos territórios e para a conservação dos recursos naturais e promoção da biodiversidade. Mas existem muitos mais.

Recentemente, Bruxelas veio apelar a que se consumisse carne de coelho; temos tido regularmente notícia, por cá, de pragas de javalis que invadem centros urbanos. PAN, PEV e BE também ouvem essas notícias...

Não querem saber, ou então propõem medidas perfeitamente ridículas, como a proposta do PAN de distribuir anticoncecionais aos javalis que destroem a Serra da Arrábida. Esquecem, por exemplo, que seria impossível atingir a população de javalis toda; que os custos seriam irreais; que os javalis que por lá existem já são demasiados e não bastaria evitar que se reproduzissem, como é necessário abater muitos animais para voltar a reequilibrar aquele ecossistema.

Felizmente a nível Europeu, a Comissão Europeia reconhece claramente a importância da caça para a conservação da biodiversidade e sustentabilidade dos espaços naturais e rurais. Ainda recentemente, no âmbito de um fórum ibérico sobre a caça como ferramenta de gestão, realizado em Badajoz, responsáveis da comissão salientavam isso mesmo, frisando a importância de envolvimento de proprietários rurais, gestores e caçadores na árdua tarefa de gerir os ecossistemas europeus, evitando desequilíbrios que podem ser catastróficos. A explosão demográfica das populações de javalis e também veados nalgumas regiões; a quebra populacional de populações de presas como o coelho ou a necessidade de gestão das populações de predadores generalistas como a raposa são temas que são desconhecidos apenas para PAN, BE e PEV.

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