Butão. O rei dragão do país da felicidade mesmo em tempo de Covid
Como numa história de encantar, o rei ainda mantém o título de dragão herdado dos seus ancestrais da dinastia Wangchuck. Mas Jihme Khesar Namgyel Wangchuck, de 39 anos, rei do pequeno reino do Butão desde que o seu pai abdicou em 2006, preferiu, desde cedo, cultivar mais a proximidade do que a imponência sugerida por tal símbolo dinástico, de fortes tradições na mitologia oriental. Bem recentemente, com a ameaça do COVID-19 a globalizar-se, ficou mundialmente célebre a simpatia com que acompanhou o primeiro caso da doença registado no país: um turista norte-americano de 76 anos, a quem, em seu nome, foram oferecidos pijamas e cobertas de seda. Como o doente não mostrasse sinais de melhoria, foi-lhe proporcionado o regresso aos Estados Unidos no avião real com um conforto e cuidado impossíveis de outro modo. Quando finalmente melhorou, os médicos norte-americanos não tiveram dúvidas em afirmar que o tratamento recebido no Butão tinha-lhe salvo a vida.
Nascido a 21 de Fevereiro de 1980, filho do anterior Rei, Jihme goza de grande popularidade interna e externa, sobretudo desde que, em 2011, casou com uma linda "plebeia", a estudante de 21 anos, Jetsun Pema, numa cerimónia budista realizada num mosteiro do século XVII, que a converteria na rainha mais jovem do mundo.
Fotogénico nos seus coloridos trajes tradicionais - o "gho" (espécie de quimono) para os homens e o khiro (tecido muito rico a envolver o busto) para as mulheres - o casal, a que se juntam já os dois filhos (o primeiro nascido em 2016 e o segundo em março deste ano), procura contribuir para a imagem de paz e bonomia que o Butão</strong>, com pouco mais de 800 mil habitantes, geograficamente entalado entre dois gigantes demográficos e económicos, a Índia e a China, procura transmitir à comunidade internacional.
Rei aos 17 anos, o pai de Jihme desenvolveu o conceito de felicidade interna bruta, inspirando-se em alguns preceitos da religião budista que é a da generalidade dos habitantes do Butão. Mas manteve a monarquia absoluta, O filho, porém, considerou que não poderia haver felicidade sem democracia e liberdade individual. Como tal, bateu-se pela eleição de um Parlamento e pela aprovação de um texto constitucional moderno.
Este viria a ser apresentado e adotado pelo primeiro parlamento do país, eleito em julho de 2008, e definia o regime como uma 'monarquia constitucional democrática', estabelecendo a autoridade do rei como "chefe de Estado, protetor de todas as religiões, e supremo comandante em chefe das forças armadas e das milícias." A maior originalidade face à maioria das constituições estaria na consagração do índice de felicidade como um direito de cada cidadão, tendo por pilares a sustentabilidade, a conservação ambiental, a preservação e promoção da cultura e, finalmente, a boa governança. Ao rei e ao governo cabe assegurar que a prática corresponda à retórica.
A geografia que dotou o Butão com paisagens de grande beleza também o tornou um dos países mais fechados do mundo. Localizado no coração dos Himalaias, a sua capital, Thimphu, é servida pelo aeroporto de Paro, unanimemente considerado um terror para passageiros e tripulantes. Com a pista num vale profundo, só um grupo muito restrito de pilotos tem autorização para ali aterrar e levantar. Mas estas condições não assustam particularmente os butaneses, que, como vimos, fazem do equilíbrio ambiental um factor de felicidade. O turismo de massas é desencorajado por várias medidas restritivas, entre as quais o pagamento de uma taxa de 250 dólares por dia, em época alta (Março, Abril e Maio) e 200 em época baixa (junho, julho e agosto).
À partida, este cuidado não bastaria para tornar o Butão menos vulnerável à pandemia de COVID-19 que galga fronteiras com uma agilidade de globe-trotter. Vizinho da Índia e da China (de onde chega habitualmente o maior número de visitantes), o país não é auto-suficiente em matéria de bens essenciais como medicamentos e combustível. O pessoal médico é escasso e as infra-estruturas hospitalares insuficientes mesmo para uma população pouco numerosa, mas muito concentrada nos principais centros urbanos. Podia ter-se dado a tempestade perfeita, mas, a 13 de agosto, o Butão não contava mais de 131 casos da doença e nenhum óbito.
O que fez a diferença? Segundo os especialistas em saúde pública, a liderança do rei e do governo, onde quer o primeiro-ministro e o ministro da Saúde são médicos de profissão. Melhor dizendo, o rei Jihme não se limitou a trabalhar para a fotografia ao ajudar o turista norte-americano surpreendido pela infecção. Incansável, percorreu os hospitais que acolheram doentes e acompanhou a aplicação das medidas de apoio às pessoas colocadas em quarentena, quer fossem estudantes butaneses que regressavam de universidades estrangeiras, quer residentes na zona da fronteira com a Índia, país onde muitos deles tinham os seus postos de trabalho.
Atento à fragilidade de uma economia de pequena escala, incentivou o governo a tomar medidas fiscais de protecção às empresas e ao emprego. No meio deste súbito turbilhão - em março - nascer-lhe-ia o segundo filho, uma alegria que o Rei anunciou ao país e ao mundo através das redes sociais. Para um país que só viu televisão em 1999, o passo não foi pequeno.