Bryan Cranston: "Não tenho saudades de Walter White"

O ator nomeado para um Óscar por Trumbo e conhecido como protagonista da série televisiva Breaking Bad lançou uma autobiografia com histórias incríveis
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Oito anos depois de entrar no papel que iria catapultá-lo para a fama em Hollywood, Bryan Cranston publicou um livro de memórias. Chama-se A Life in Parts e é uma espécie de coleção de pequenos contos sobre vários momentos e episódios da sua vida. O estilo de escrita dança entre o hilariante e o soturno, com revelações incríveis de uma vida atribulada e marcada por uma adolescência difícil.

"O meu pai abandonou-nos quando eu tinha 11 anos e não voltei a vê-lo até aos 22. A minha mãe ficou de coração desfeito e tornou-se alcoólica", partilhou o ator durante uma conversa conduzida pelo realizador Jay Roach num evento organizado pela Live Talks, em Los Angeles. Roach foi precisamente o realizador de Trumbo, pelo qual Cranston recebeu uma nomeação ao Óscar de Melhor Ator em 2016, e de All the Way, filme da HBO inspirado numa peça de teatro. "Não tive acompanhamento parental, tudo foi tentativa e erro", lembrou.

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No livro, Cranston revela histórias fantásticas: por exemplo, o momento bizarro em que foi procurado por homicídio. Ele e o irmão mais velho tinham decidido percorrer o país de moto e estiveram dois anos sem poiso. Arranjavam qualquer trabalho onde o houvesse, e nessa altura estavam a servir às mesas em Daytona Beach, Florida. "O cozinheiro era um homem horrível e toda a gente o odiava", contou. "Então, os empregados juntavam--se a imaginar formas de o matar." No final da temporada, os irmãos Cranston pegaram nas motos e foram para o próximo destino - mas uma semana depois havia um mandado de captura em nome deles. O cozinheiro tinha sido encontrado morto dentro da mala de um carro.

"Estas são histórias da minha vida. Gosto de ser um contador de histórias e também de as ouvir. É uma das nossas primeiras memórias: arrastar um livro, sentar no colo dos pais e ouvir uma história", disse o ator. Escreveu-as em catadupa, sem ordem cronológica, usando qualquer momento morto que tinha, como viagens de avião. Conta os muitos empregos que teve. Como perdeu a virgindade com uma prostituta. Quando se inscreveu na Academia de Polícia. E quando decidiu que queria ser ator: esteve seis dias encurralado com o irmão num abrigo porque chovia torrencialmente. Para se distrair, começou a ler uma peça e deu por si inebriado pela história, de tal maneira que perdeu a noção do tempo. "Nunca me tinha acontecido", contou.

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Para quem tem a personagem de Walter White presente, Cranston projeta uma figura sombria, atormentada. Mas nesta sessão mostrou ser exatamente o oposto: engraçado, com uma vivacidade contagiante e uma mestria na arte de contar episódios ridículos. Como o mecanismo que arquitetou para pedir em casamento Robin Dearden, sua mulher deste 1989. Cada vez que ensaiava o seu discurso, Cranston acabava a chorar desalmadamente, e não queria passar por isso no momento-chave. Então decidiu que ia fazer o pedido durante um banho de imersão, aproveitando a noite de fim de ano para levar champanhe e velas. "Quando comecei a falar e ela tentava virar a cabeça para olhar para mim, eu agarrava-lhe na cara para ela olhar em frente. Se não, eu ia chorar." E onde estava o anel de noivado? "O único sítio onde deu para o meter foi no dedo mais pequeno do pé."

A audiência do evento explodiu em gargalhadas ao longo da noite toda, mas houve também um momento cheio de emoção, quando a organização projetou as cenas finais de Walter White, em que o traficante morre no final da temporada 5 de Breaking Bad.

"Eu estava a lidar com aquilo dos dois lados. A minha personagem estava a chegar ao fim e o plano era cometer suicídio. Foi devastador", confessou Cranston, falando dos sentimentos que teve ao filmar aquela última cena. "Tive a noção do que esta personagem fez por mim, um sentimento de orgulho e de sorte. O que fez pela minha carreira foi incrível." Até ali, Cranston tinha feito muitos papéis pequenos e era conhecido como o "pai" na série de comédia Malcom in the Middle. "Revejo este final e sinto-me bem, mas não tenho saudades de Walter White. Foi uma personagem incrível para interpretar, mas fi-la e senti que tínhamos chegado ao fim."

O problema, depois, é que os fãs transformaram Breaking Bad numa série de culto e Cranston sabia que não podia fazer mais televisão a seguir. Então virou-se para o teatro e encontrou a peça ideal para si: All The Way, uma obra sobre o presidente norte-americano dos anos sessenta, Lyndon B. Jonhson. O peso da história fez que o ator mergulhasse em investigação durante muito tempo, falando com todas as pessoas com que podia e passando dias enfiado na biblioteca. "No primeiro dia de leituras, eu não sabia nenhum diálogo, e era quase tudo eu numa peça de duas horas e 45 minutos. Percebi que estava em apuros e tinha três semanas até à estreia." Durante esse tempo, estudou o papel todos os dias, de manhã à noite, até sentir que estava a enlouquecer. "Era o pesadelo dos atores, de não saber as falas na hora H." Começou então a sonhar acordado acerca de acidentes. "Meu Deus, e se viesse alguém e me batesse com um taco no joelho, não o suficiente para partir mas apenas para eu não ter de fazer isto?" A peça acabou por ser um sucesso estrondoso e Cranston ganhou um prémio Tony pelo papel.

A arte da representação é uma parte importante deste livro de memórias. Não só pela exploração de Walter White e de como Vince Gilligan criou algo que nunca tinha existido - uma personagem que começa numa ponta e termina uma pessoa completamente diferente - mas também pelas lições que Cranston aprendeu ao longo da carreira.

"Um ator não pode, não deve pensar que está a tentar arranjar um emprego quando vai a uma audiência. Sei que parece que é isso. Mas não, porque isso é ceder ao poder. Numa situação em que se precisa ou se quer, perde-se o controlo", argumentou. "Quando você tem alguma coisa que eles querem, então tem o controlo. Não é uma questão de arrogância, é uma questão de confiança." Quando aceitou isso, as coisas começaram a mudar na sua vida. "É perceber que vamos ali fazer um trabalho, não arranjar trabalho. O nosso trabalho é representar de forma convincente. Sentir o nosso valor, apresentá-lo e ir embora."

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