Bruxelas quer que despesa trave a fundo no orçamento de 2019
A Comissão Europeia entrou oficialmente no debate sobre o Orçamento do Estado para 2019 (OE 2019), a entregar em outubro. Ontem, Bruxelas considerou que, embora as contas públicas portuguesas estejam "a melhorar", há problemas do lado da despesa - insistiu muito na questão do Serviço Nacional de Saúde e numa composição inteligente do investimento público.
Tem de ser assim por causa da dívida pública: até pode estar a cair, mas continua a ser uma das maiores do mundo desenvolvido, o que é visto como uma vulnerabilidade a prazo, caso alguma coisa não corra de feição interna ou externamente. Nesse sentido, diz o documento das recomendações por país para as políticas orçamentais e económicas a seguir, o crescimento nominal da despesa primária líquida (despesa total sem contar com juros da dívida) "não deve exceder os 0,7% em 2019". No Programa de Estabilidade entregue em abril, o governo prevê mais do dobro: uma expansão de 1,7%.
Pierre Moscovici, comissário europeu dos Assuntos Económicos, não deixou passar isso em claro na conferência de imprensa que decorreu na capital belga. "É recomendável que o país garanta que a taxa de crescimento nominal da despesa pública primária líquida não ultrapasse 0,7% do produto interno bruto (PIB)" no ano que vem.
Só isso garante um ajustamento estrutural (permanente) do défice de 0,6%, conforme exige o Conselho Europeu e o Pacto de Estabilidade, sublinha. O Ministério das Finanças de Mário Centeno prevê metade do esforço: 0,3%.
Este ano, o governo estima que essa despesa primária cresça 5%, mas mesmo assim diz que conseguirá obter um ajustamento estrutural de 0,4%. Bruxelas não vê qualquer ajustamento deste tipo nem neste nem no próximo ano: 0% do PIB, dizem as previsões.
O problema, defende a Comissão, está sobretudo do lado da despesa. Nesse sentido, pediu um controlo mais apertado na despesa pública com a saúde, designadamente nos hospitais. Ao mesmo tempo recomendou maior rapidez na redução da dívida.
As novas recomendações são resultado de uma trabalho colaborativo entre as partes, de várias reuniões recentes entre Comissão, governo e outras autoridades, e surge na sequência do Programa de Estabilidade de abril. Desses encontros ficou a certeza para Bruxelas que é preciso fazer mais para cortar na despesa da saúde para que este setor deixe de acumular dívida.
O governo, através dos ministros Mário Centeno (Finanças) e Adalberto Fernandes (Saúde), diz que tem um plano em marcha para controlar ou sanear este problema, mediante a injeção de capital nos hospitais públicos.
Mas a Comissão Europeia continua a pedir mais tento nos gastos. Portugal tem de "reforçar o controlo das despesas, a relação custo-eficácia e a orçamentação adequada, em particular no setor da saúde, com enfoque na redução dos pagamentos em atraso dos hospitais".
E não só. "O planeamento e a implementação orçamental continuam a ser um desafio considerável, particularmente na saúde", apontando também para "deficiências no controlo contabilístico e nas práticas de gestão".
Essa racionalização do setor da Saúde e em outras rubricas da despesa deve começar o quanto antes pois, relembra Bruxelas, "existe um risco de desvio significativo do ajustamento recomendado em 2018". Idem em relação a 2019.
Além disso, pede ao executivo que "utilize ganhos extraordinários para acelerar a redução do rácio da dívida pública".
Bom senso no investimento
Outro problema que merece reparo no comunicado que faz o resumo das recomendações aos países é o do investimento público. Este deve ser realizado, mas com bom senso e acautelando o futuro.
"Para assegurar que as finanças públicas estão disponíveis para projetos de investimento de médio e longo prazo, deve prestar-se muita atenção à sua composição", sendo necessário fazer "revisões da despesa pública". O alerta é dirigido a Portugal e mais oito países. "Devem agir nesta área."
No encontro com os jornalistas, o comissário socialista francês Pierre Moscovici chamou a atenção para o conjunto de "desequilíbrios importantes" que subsistem no caso português, como é o caso dos "níveis elevados de dívida externa, privada e pública, vulnerabilidades no setor bancário e a segmentação do mercado de trabalho".