Bruxelas prevê contrato para 20% dos trabalhadores de plataformas
A Comissão Europeia admite que até um quinto do universo de trabalhadores das plataformas digitais com operações na União Europeia possa ter acesso a contrato de trabalho ao abrigo de novos critérios propostos ontem para regular as relações laborais neste setor e uniformizar a abordagem dos Estados-membros numa altura em que se avolumam centenas de decisões judiciais sobre a matéria.
A proposta de diretiva com a qual Bruxelas avança estabelece cinco critérios através dos quais as inspeções de trabalho nos diferentes países poderão reconhecer contratos de trabalho e direitos associados entre quem se apresenta hoje ao serviço de empresas como Uber, Bolt ou Glovo. Serão 28 milhões em toda a União, e "poderá haver até 5,5 milhões deles cujo contrato os descreve como trabalhadores independentes mas que na realidade são regularmente supervisionados e fiscalizados, o que de facto os torna trabalhadores empregados", admitiu Valdis Dombrovskis, vice-presidente do executivo europeu na apresentação do texto.
O acesso a um salário mínimo por quem hoje recebe abaixo dele, por exemplo, poderá representar ganhos de rendimento anuais de até 1800 euros, nos cálculos citados pela Comissão. O reconhecimento da relação contratual também reforçará a proteção social no desemprego, doença e velhice.
Os critérios com os quais a Comissão conta obter apoio do Conselho Europeu e Parlamento Europeu incluem "a determinação do nível de remuneração ou estabelecer limites máximos; supervisionar o desempenho através de meios eletrónicos; restringir a liberdade de escolha de horário ou períodos de ausência, de aceitar ou recusar tarefas, ou usar prestadores de serviços ou substitutos; estabelecer regras obrigatórias no que diz respeito à aparência, conduta para com o recetor do serviço ou quanto ao desempenho do trabalho; e restringir a possibilidade de construção de uma base de clientes ou de realizar trabalho para terceiros".
Bastará que a relação entre trabalhador e plataforma preencha dois destes critérios para haver presunção de uma relação de trabalho subordinada. Mas, esta poderá sempre ser contestada pelas plataformas, que, de resto, terão ainda alguns anos para adaptarem os respetivos modelos de negócio à nova regulamentação. Após a aprovação da diretiva, os países terão dois anos para a transporem para a legislação nacional. "As plataformas poderão ajustar as relações com os prestadores de serviços caso prefiram manter o estatuto de trabalhadores independentes, mas terá de haver menor controlo sistémico sobre esses prestadores independentes", avisou Dombrovskis.
Nicolas Schmit, comissário europeu do Emprego, defendeu também que as regras propostas se socorrem das centenas de decisões judiciais já existentes, e que em vários países têm vindo a dar razão a trabalhadores. Argumentou ainda que a diretiva será boa para o negócio das plataformas.
"Traz maior segurança a esta atividade, a este modelo de negócio, o que na prática se traduz em menores custos e menos processos em diferentes jurisdições. Significa regras iguais para todos. Creio que responde precisamente ao que nos pedem", respondeu perante as críticas da Business Europe, a Confederação Empresarial Europeia, que ontem acusou em comunicado Bruxelas de "fazer uma declaração política ao invés de propor uma solução equilibrada" e pediu "clareza" para a organização do trabalho nas plataformas.
Entre as empresas do setor, a Uber emitiu também ontem um comunicado no qual pede a Bruxelas que reverta a marcha e alega que a diretiva levará a perdas de trabalho e a mais litigância na interpretação das novas regras.
Mas, porque não bastará haver critérios, e terá de haver quem os aplique, a proposta da Comissão também exige dos Estados-membros que reforcem as respetivas inspeções do trabalho para que haja fiscalização efetiva. As autoridades nacionais do Trabalho serão ainda chamadas a lidar com processos de gestão algorítmica das relações de trabalho, uma realidade para a qual muitas não estarão preparadas, já que a lei vai também exigir a transparência das fórmulas usadas nas aplicações digitais para gerir trabalho e prestação de serviços, e dar o direito de reclamação sobre decisões tomadas pelos algoritmos (que passarão ainda a ter de ser monitorizadas por um ser humano). O direito de reclamar e ver decisões retificadas vai aplicar-se a trabalhadores dependentes e independentes de forma igual.
A proposta de Bruxelas requer ainda que as plataformas declarem em cada jurisdição qual o número de trabalhadores que nela têm a cargo, e traz associadas novas orientações - que estarão em consulta pública - para que as empresas possam iniciar negociação coletiva com os trabalhadores sem que tal possa ser considerado uma violação das regras da concorrência no mercado interno.