Bruxelas e Ancara ensaiam reaproximação condicionada

Conselho Europeu adota uma conclusão em tom positivo embora cauteloso sobre as relações com a Turquia de Erdogan, uma fonte de problemas nos últimos meses.
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A lista de divergências entre a Turquia e a União Europeia é longa. As mais recentes manobras que visam atacar a democracia e o Estado de direito são a retirada da Convenção de Istambul, um pacto do Conselho da Europa que combate a violência contra as mulheres; e o pedido de um procurador ao Supremo Tribunal para a proibição da terceira maior força política, o HDP, o Partido Democrático dos Povos, que tem como base de apoio a minoria curda e o seu líder encontra-se preso desde 2016.

Do ponto de vista externo, as ameaças multiplicaram-se nos últimos meses, com operações de prospeção de gás, sob escolta militar, em território disputado no Mediterrâneo Oriental, e um expansionismo militar com operações no Azerbaijão, Líbia, e Síria, ao que se juntou a teimosia em manter a divisão na ilha de Chipre. E no âmbito da NATO, outra teimosia, a da compra à Rússia do sistema de defesa antiaérea S400, que os Estados Unidos dizem ser incompatível com a Aliança Atlântica.

Foi neste quadro pouco promissor que na semana passada os líderes da Comissão e do Conselho falaram por videoconferência com o presidente turco, enquanto o chefe da diplomacia europeia Josep Borrell ultimava um relatório sobre como abordar o regime de Recep Tayyip Erdogan. Sem esquecer também que qualquer decisão terá de ser acomodada com os interesses geoestratégicos de Washington. "Tendo em conta que Biden não está a planear ter tão boas relações como Trump teve com a Arábia Saudita, não haverá quaisquer contrapesos à Turquia. Portanto, a Turquia deve aproximar-se do Ocidente", disse uma fonte diplomática da UE ao Euractiv.

A aproximação foi bem-vinda no Conselho Europeu de quinta-feira, mas cingida à manutenção da "atual desescalada", depois de Ancara ter dado sinais de querer dialogar sobre a demarcação de fronteiras marítimas com a Grécia e de relançar as conversações no quadro da ONU sobre Chipre, cujo norte é ocupado pela Turquia. Em troca, Bruxelas levantou as sanções relacionadas à perfuração em águas cipriotas. "Hoje, temos um quadro claro e esperamos, esperamos realmente, que seja possível melhorar a relação com a Turquia. Mas continuamos cautelosos e continuamos atentos", disse o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

Segundo as conclusões da cimeira realizada em videoconferência, a União Europeia está pronta "a envolver-se com a Turquia de uma forma faseada, proporcional e reversível para reforçar a cooperação numa série de áreas de interesse comum". Mais decisões sobre o tema poderão ser tomadas em junho, no próximo Conselho, se "a atual desescalada for sustentada e a Turquia se empenhar de forma construtiva". Também se decidiu que a UE estava preparada para impor sanções "para defender os seus interesses e os dos seus estados membros" se Ancara recuar, em especial tendo como alvo o setor do turismo, essencial para a economia turca.

Erdogan quer renegociar com Bruxelas o acordo alcançado há cinco anos para impedir a chegada em grande escala de refugiados e migrantes à UE em troca de milhares de milhões de euros. A Comissão não está interessada, embora haja abertura para financiar o alojamento dos refugiados. "Pensamos que é importante continuar com o apoio a esta causa humanitária relativa aos refugiados sírios na Turquia", disse Ursula von der Leyen. Ancara quer também conversações para rever a união aduaneira e acionar o programa a isenção de vistos.

Na sequência da reunião dos 27 líderes, a Turquia rejeitou as exigências "mesquinhas" da UE, mas ainda assim comprometeu-se a responder aos gestos de Bruxelas com "medidas positivas". "Embora a necessidade de uma agenda positiva tenha sido sublinhada, verificou-se que o relatório foi escrito de um ponto de vista unilateral", disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco numa declaração. Mais claro, Zeliha Eliacik, investigador do grupo de reflexão SETA, pró-Ancara, escreveu para a agência Anadolu que "toda a cooperação económica e social entre a UE e a Turquia está destinada a ser toldada enquanto a UE não resolver o seu antigo problema de não tratar a Turquia como um parceiro em pé de igualdade".

Os membros da UE estão divididos quanto à sua abordagem à Turquia, com Chipre, Grécia e França a insistirem numa linha dura, enquanto outros, como a Alemanha, apelam ao diálogo. No geral, contudo, os líderes europeus continuam desconfiados em relação a Erdogan, que no início do mês prometeu mais liberdades de expressão e de organização, e dias antes chamou "terroristas" aos estudantes universitários que se manifestaram pelo facto de o governo ter nomeado um reitor de fora da Universidade de Bogazici, tendo acabado com décadas de autonomia universitária. "Precisamos de contactos com a Turquia a todos os níveis e também de falar tanto sobre os interesses controversos, como sobre os interesses comuns", disse a chanceler alemã Angela Merkel.

Ao sistema de governo autocrático, com base em dois partidos nacionalistas e islamistas, a Turquia vive um momento económico conturbado, tendo Erdogan despedido o terceiro governador do banco central em dois anos, com a lira em queda e a inflação em alta, numa economia baseada na construção civil financiada pelo crédito fácil.

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