Bruxas, mistérios e magia durante a II Guerra Mundial 

Tem todos os ingredientes para atrair a atenção dos leitores: segredos transacionados em plena guerra, estadistas que consultam astrólogos e médiuns, uma mulher acusada de bruxaria no Reino Unido do século XX. De tudo isto se faz o romance <em>A Maldição da Lança Sagrada,</em> de Laura Falcó Lara, que acaba de chegar às livrarias portuguesas.
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No ritmo e no enredo, a história é digna de Os Salteadores da Arca Perdida. Mas, ao contrário do que acontece com as aventuras do intrépido Professor Jones, o que se conta no romance A Maldição da Lança Sagrada (edição Esfera dos Livros) obrigou a autora, Laura Falcó Lara, a muitos meses de pesquisa em arquivos espanhóis e estrangeiros. Isto porque, quer Hitler, quer Churchill, talvez não acreditassem em bruxas, mas com a velha ressalva "pero que las hay, hay". E, por isso, recorriam a cartomantes, ilusionistas, médiuns, a mais famosa das quais foi a escocesa Helen Duncan, a última mulher acusada de bruxaria no Reino Unido. Neta de editores, e ela própria associada ao mundo editorial desde jovem, Laura Falcó Lara admite escrever o tipo de livros que gosta de ler, aqueles em que uma aura de mistério envolve personagens e acontecimentos, alguns deles reais.

O que a levou a mergulhar nesta obsessão de nazis e aliados pela chamada lança sagrada?
Sempre me fascinou a história da lança de Longino, que é o menos conhecido dos objetos tradicionalmente considerados sagrados, mas que, tal como os outros, era muito cobiçado por Hitler. Segundo a tradição ,a lança com que o centurião Longino teria ferido Cristo asseguraria, a quem a tivesse, todo o poder sobre os destinos do mundo, mas, caso a perdesse, apenas derrota e morte. De facto, Hitler chegou a tomar posse física da "Lança do Destino", identificada então com a que estava no Museu Hoffburg, em Viena, e os americanos tê-la-ão recuperado, e devolvido à procedência no final da Guerra.

E é aí que entra em cena a figura igualmente verídica e não menos excecional da médium Helen Duncan...
Ao ler sobre estas questões, deparei-me com a história desta britânica, Helen Duncan, que foi acusada e julgada por bruxaria em pleno século XX, quando, apesar de todos os progressos técnicos e científicos, houve uma autêntica febre do paranormal em todas as classes sociais. Foi-me fácil ligar as duas histórias e, a partir daí, desenvolvi toda a trama .Helen Duncan existiu de facto, e as suas netas mantêm um site muito completo sobre ela. Penso que ela terá tido algumas capacidades de vidência, uma certa intuição, mas numa época em que havia médiuns com a mesma frequência com que hoje há cabeleireiras, ela não resistiu a fazer rentabilizar esse possível dom. Em novembro de 1941, os serviços secretos britânicos interessaram-se por ela porque, durante uma sessão de espiritismo, disse ter sido contactada por um marinheiro morto no naufrágio do navio de guerra HMS Barham. Ora, por questões de segurança, a Marinha só informara os familiares dos mortos e não divulgara ao grande público que este navio de guerra, com mais de 1000 homens a bordo, fora torpedeado por um submarino alemão na costa do Egito. Seja como for, Helen Duncan foi, neste período, o único preso inglês que, durante mais de um ano, esteve em cela aberta porque dava consultas, incluindo a membros dos serviços secretos e até a Churchill. O curioso desta história é que foi acusada ao abrigo de uma lei anti-bruxaria datada de, imagine-se, 1735.

Percebe-se que há aqui muita investigação sobre o período em causa. Porque teve essa preocupação, tratando-se de uma obra de ficção?
Foi um trabalho muito exigente desse ponto de vista. Para mim, a verosimilhança é importante porque, como leitora, detesto encontrar anacronismos. Ainda hoje, apesar da relativa proximidade no tempo, há aspetos da Segunda Guerra Mundial que os historiadores não conseguiram esclarecer. Dou-lhe um exemplo: continuamos sem saber como funcionavam realmente os transportes de pessoas ou de correio num continente em que o sistema normal estava fortemente abalado pelo conflito. Sabemos muito sobre grandes operações militares mas falta-nos perceber coisas básicas do quotidiano, que é distinto de qualquer coisa que houvesse antes ou depois da Guerra.

Hitler era obcecado por objetos considerados sagrados, mas, como diz, entre os aliados havia também quem não dispensasse o recurso a cartomantes e videntes. Churchill, por exemplo.
Churchill recorria regularmente a um astrólogo e não podemos encarar isso como uma manifestação de fragilidade. O que ele pensava, como homem extremamente inteligente e culto, era algo deste género: "se o meu inimigo vai a um astrólogo, eu perceberei melhor o que se passa na cabeça dele se fizer o mesmo. E se perceber o que se passa na sua cabeça, poderei antecipar os movimentos seguintes". Mas também vai recorrer a um ilusionista, daqueles que fazem desaparecer e aparecer coisas, para tentar enganar os exércitos inimigos. Fê-lo no Norte de África, por exemplo, através de um homem muito conhecido nos palcos de Londres, chamado Jasper Maskelyne. Temos de compreender que esta foi, de facto, uma época em que tudo o que se relacionasse com magia, paranormal, assombrações estava completamente em alta. De um modo geral, as pessoas estavam dispostas a acreditar em quase tudo.

Ainda há muitos segredos sobre a Segunda Guerra Mundial, não obstante toda a literatura, historiografias, filmes, séries de televisão...?
Desde logo por uma razão simples: em épocas de guerra é muito fácil que se perca informação. Por muito que se investigue um período tão complexo como o deste conflito, que envolveu o mundo inteiro e se prolongou durante seis anos, há muitos elementos que nos faltarão sempre. Pessoalmente demorei meses a perceber o que tinha acontecido com a lança. Mesmo os livros de historiadores estão cheios de erros a este respeito.

O ritmo da narrativa está muito próximo do cinema e da televisão. É um aspeto a que dá muita importância?
É verdade que sou neta de editor e sei que aprendi a ler com autores deste estilo, como Stephen King, entre o real e o fantástico, por isso é natural que tenha sido influenciado pelo modo como constroem a narrativa. Também penso que as gerações mais jovens, ao estarem muito próximas do mundo audiovisual, se afastam mais da novela tradicional, embora saibamos que esta, linguisticamente falando, tem muito mais valor. Mas se queremos conquistar esses jovens para a leitura, temos de nos esforçar por ir ao encontro dos seus gostos.

Foi editora e continua muito ligada ao mundo editorial, no Grupo Planeta, fundado em 1949 pelo seu avô, José Manuel Lara Hernandez. Estes são também os livros que prefere publicar?
Quando comecei a trabalhar nesta área, ouvi a minha chefe dizer muitas vezes: "No dia em que edite só o que tem lugar na minha biblioteca, estarei morta como editora." Tenho isso muito claro, e, como editora, publiquei muitos livros que não eram para mim. Nesta atividade, temos de ir além de nós próprios e perceber que trabalhamos para todos os públicos.

A maldição da lança sagrada
Lara Falcó Lara
A Esfera dos Livros
376 páginas

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