Brel, belga 

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Regressado ao trabalho depois de uns dias de férias na Bélgica, país que me encanta pelo que é hoje mas também pela história, encontro na secretária o livro Como um marinheiro eu partirei - uma viagem com Jacques Brel. Uma extraordinária coincidência, pois gosto tanto do cantor belga que passei a tarde do meu primeiro dia em Bruxelas na Fundação Brel, um museu que homenageia essa grande figura da chanson française que, além de não ser francês, vinha de uma família flamenga, e por isso quando lhe perguntavam porque escrevera Les Flamandes e não Les Wallonnes respondia simplesmente que a música, com a sua ironia, era sobre memórias e estas eram, para o bem e para o mal, as de um flamengo.

Não faltam os artigos de jornal ao longo dos anos a dizer que os belgas estão divididos sobre Brel, que é figura de culto em Bruxelas e na Valónia, mas não tanto assim na Flandres. Na verdade, os belgas estão divididos em muitas mais matérias, e não falta na Flandres, a região neerlandófona, quem sonhe com uma separação da Valónia, a metade do país que fala francês. Se quando a moderna Bélgica nasceu, em 1830, era o francês a língua das elites, hoje a riqueza é maior entre os flamengos e isso dá ideias a alguns partidos extremistas para um ajuste de contas histórico. Mas seria uma pena se este pequeno mas belo país - falo da Grand-Place em Bruxelas mas também dos canais de Bruges -, deixasse um dia de existir. Seria, aliás, um fracasso para o ideal de unidade europeia, pois a Bélgica, o tal país dos Belgae contemporâneos dos gauleses e dos romanos, é também o país que empresta a capital à Europa.

Quem escreveu agora o tal livro sobre Brel é Nuno Costa Santos, que se entusiasma na pista da passagem do belga pelos Açores, quando percorria o mundo no seu iate. Não é uma biografia tradicional, nem um verdadeiro romance, mas sim um livro muito bem escrito que simplesmente se inspira no homem que ficou célebre por canções como Ne me quitte pas ou Amsterdam.

Que Brel amava o mar já sabia, mas só nesta minha segunda visita ao seu museu bruxelense percebi o quanto lhe terão fascinado os Descobrimentos. Numa entrevista em 1967, reproduzida num dos ecrãs que conta a sua vida, disse: "Tenho vontade de ser Vasco da Gama ou Cook ou Magalhães". Como deve ter sido emotiva para ele aquela paragem na Horta!

E nisto de construir uma unidade europeia vale sempre a pena lembrar como o passado pode ligar os países, até Portugal e a Bélgica, e ainda na Idade Média, por causa do comércio. E, voltando ao veleiro de Brel ancorado na Horta, afinal não é nos Açores que se encontram ainda hoje tantos nomes de família que são de origem flamenga? Brel, belga, europeu. E universal.

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