Brasil veta livro do escritor Monteiro Lobato
O inesperado aconteceu com um dos clássicos do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), um dos ícones brasileiros, cuja extensa obra foi lida durante várias gerações por crianças e adolescentes. Aliás, até foi adaptada com sucesso pela TV Globo, no programa Sítio do Picapau Amarelo, que passou na televisão portuguesa. Mas, agora, o livro Caçadas de Pedrinho, publicado inicialmente em 1933, foi considerado racista pelo Ministério da Educação e retirado da lista de livros a ser distribuída aos alunos da rede pública.
Em causa, uma passagem do livro em que uma princesa explica a Emília que apenas bebe leite porque tem medo que o café a deixe morena. Medida prontamente apoiada pela boneca de trapos, que acrescenta: "Foi de tanto tomar café que tia Nastácia ficou preta assim." Em certos livros, Lobato refere-se ainda a tia Nastácia como " pobre preta", e às vezes faz conotações de pretos a macacos e urubus.
A decisão do ministério da Educação está a causar polémica, com várias personalidades a pronunciarem-se sobre a situação. A maioria afirma que o autor escreveu sobre uma realidade do seu tempo, enquanto outros defendem que, como branco, de família de classe média, sempre viu os pobres e os negros com preconceito.
Ainda apenas no início, esta polémica já gera posições radicais. A Academia Brasileira de Letras - onde Lobato teve a entrada negada - pronunciou-se contra o veto proposto pelo Governo. Já o presidente da entidade negra Afrobras, José Vicente Silva, disse que "a literatura, qualquer que seja ela, numa escola, tem de ter finalidade didáctica" e, "se há menção a racismo, mesmo num clássico, o seu conteúdo deve ser revisto".
Admirador de Lobato, o secretário-geral da Academia Mineira de Letras, Aloísio Garcia, considera infeliz a ideia de pensar em proibir Caçadas de Pedrinho. "Quem perde com isso são as novas gerações que não terão oportunidade de conhecer este livro", diz. "Muitos livros, quando publicados numa determinada época, podem ganhar, no futuro, outra tradução para palavras e expressões, mas isso não significa racismo nem preconceito", justifica.
Após a saraivada de críticas, o ministro da Educação, Paulo Haddad, afirmou que a obra tem de ser vista sob certo contexto, nomeadamente a actual preocupação politicamente correcta de se evitar críticas a minorias raciais. A decisão oficial ainda poderá ser revista, a favor do livro de Lobato.
Entre as principais obras infantis de Lobato encontram-se Reinações de Narizinho, História do Mundo para Crianças, Viagem ao Céu, histórias em que os principais personagens são as crianças Narizinho e Pedrinho, a boneca Emília, Tia Nastácia - velha cozinheira preta do sítio - , a avó Dona Benta e o Marquês de Sabugosa, um espantalho de milho.