Brasil: discretamente, Dilma volta à cena
Poucos meses depois de ser destituída da presidência brasileira, em 2016, Dilma Roussef deu uma entrevista à Folha de São Paulo onde revelava um projeto para o futuro: escrever romances policiais.
Tinha acabado de mudar-se do Palácio da Alvorada, em Brasília, para uma casa de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que espelhava bem o seu estado de espírito: ficava no Bairro Tristeza. A política, por esses dias, parecia ser assunto encerrado.
Agora a vida deu uma volta. Em abril, Dilma mudou-se para Belo Horizonte, cidade onde nasceu há 70 anos. No final de junho, decidiu apresentar a sua candidatura ao Senado brasileiro pelo estado de Minas Gerais, o que surpreendeu meio mundo.
No sistema de justiça deram imediatamente entrada dez pedidos de impugnação. Entre eles estava um assinado por Danielle Dytz da Cunha, filha de Eduardo Cunha, o deputado que impulsionou a sua destituição em 2016 e hoje se encontra preso no âmbito do processo Lava-Jato.
Ontem, o Tribunal Superior Eleitoral deu o seu veredicto final. Os sete juízes aprovaram a corrida de Dilma ao Senado por unanimidade, no preciso momento em que as sondagens lhe atribuem a liderança destacada. Cada estado brasileiro elege três senadores para mandatos de oito anos.
Em 2018, no caso de Minas Gerais, há duas vagas para preencher. Neste momento, a pergunta parece ser só uma: quem acompanhará Dilma na viagem para o Palácio Nereu Ramos? Foi aqui, recorde-se, que o seu impeachment foi decidido por maioria a 31 de agosto de 2016.
Minas Gerais é o segundo estado mais populoso do Brasil, depois de São Paulo. Nas últimas seis presidenciais, os resultados mineiros foram o paralelo quase perfeito das votações finais no país. Fernando-Henrique Cardoso, Lula da Silva e a própria Dilma confirmaram aqui a sua eleição.
Agora, é Bolsonaro quem lidera as intenções de votos entre os mineiros, ainda que tenha de ir à segunda volta. Há quatro candidatos empatados no segundo posto neste Estado - nas sondagens nacionais, Fernando Haddad, do PT de Lula e Dilma, é o seu mais do que provável opositor.
Dilma Roussef, apesar de apoiar Haddad, manteve uma atitude discreta nas primeiras semanas de campanha - tanto em relação ao seu impeachment, como aos ataques aos opositores.
Quando, a 6 de setembro, Bolsonaro foi alvo de um atentado enquanto fazia campanha na cidade mineira de Juiz de Fora, a candidata a senadora lamentou o episódio, ainda que insinuasse que ele fora consequência de um discurso de ódio. No mesmo dia, demitiu a assessora de imprensa da sua campanha, por esta ter dito que "o feitiço virou contra o feiticeiro".
Desde o início do mês, no entanto, a antiga presidente tem assumido um discurso mais duro. Muito por causa do juiz Sérgio Moro, que a 1 de outubro divulgou declarações de António Palocci. O antigo ministro dos governos de Lula disse que as campanhas presidenciais de Roussef em 2010 e 2014 tinham custado mais do dobro do valor declarado.
Moro tem sido criticado por quebra de isenção, mas Bolsonaro aplaudiu a divulgação das declarações. Dilma não tardou a reagir, chamando o candidato presidencial do Partido Social Liberal de "coiso".
"No dia 7, estamos disputando o momento mais delicado da vida política do Brasil. Tem um confronto entre a civilização e a barbárie e nós sabemos que o coiso é a barbárie."
Nas eleições do Senado brasileiro, afinal de contas, parecem estar também a preparar-se as bases para uma futura oposição a Bolsonaro presidente. Dilma está cada vez mais perto do Palácio Nereu Ramos. E Bolsonaro cada vez mais próximo do Planalto.