"Nunca esquecerei o fim de semana em que Laura morreu." A célebre frase do colunista Waldo Lydecker, no início de Laura, o filme de Otto Preminger, poderia ressoar em Bons Rapazes como um feitiço de cinema noir. Também aqui há uma mulher morta e outra desaparecida. Só não há chapéus e gabardines. O noir que o americano Shane Black nos apresenta faz--se de cores fortes e néon, contextualizado na vibrante Los Angeles dos anos 1970, com a indústria pornográfica a fervilhar. Neste quadro corrompido, lá se vai a evocação estética do grande Preminger, e, no entanto, permanece a alavanca essencial para uma história de detetives: o desaparecimento de uma mulher..Black trocou a sua regular colaboração com Robert Downey Jr. por uma parelha burlesca. Ryan Gosling, no papel de um pai viúvo, seduzido pelo álcool, e Russell Crowe (quão raro vê-lo no registo cómico), com um grau de violência equivalente à sua massa corporal. São dois detetives privados que o destino reuniu nessa investigação solicitada pela mãe da desaparecida, uma agente do Departamento de Justiça. Ela é Kim Besinger, aos 62 anos, a oferecer breves aparições, que acabam por piscar o olho a L. A. Confidencial (1997) - filme que lhe valeu o Óscar e onde se encontrou, pela primeira vez, com um jovem e ainda pouco conhecido Crowe, igualmente na pele de detetive..A confusa teia criminosa de Bons Rapazes, que envolve a morte de uma porn star (relacionada com o desaparecimento que lança a ação), muitos vidros partidos, tiroteios em festas, correrias e afins, explora sobretudo o lado físico, a adrenalina da comédia noir. Será escusado procurar o rigor da trama, porque o que vale realmente para Shane Black é a anarquia bem montada. E disso não restarão dúvidas..Nesse sentido, vale a pena recordar que o realizador e argumentista de Kiss Kiss Bang Bang e Homem de Ferro 3 é considerado, entre os seus pares, um dos pioneiros da escrita para cinema de ação, que iniciou com Arma Mortífera, em 1987. Percebe-se a sua inclinação natural para o pandemónio cómico, que neste Bons Rapazes se comprova pela evidência dos melhores momentos corresponderem aos falhanços de alguém que só tentava agir rapidamente....[youtube:GQR5zsLHbYw].Angourie Rice, um nome a fixar.Cada um dos protagonistas, Gosling e Crowe, possui os desajustes indispensáveis ao retrato de uma dupla clássica assente na fórmula "os opostos atraem-se". O humor nunca foi apanágio de Crowe e, por isso, vamos descobri-lo essencialmente no contraste com a figura de Gosling, um desajeitado profissional, que enriquece a balbúrdia do filme com as suas repetidas quedas radicais. A filha, de 13 anos, interpretada pelo novo talento Angourie Rice, é quem lhe conduz o carro, para onde quer que vão, convertendo-se também num fortíssimo contributo para a trapalhada geral..É certamente um nome a decorar, compondo uma personagem que oscila, de forma graciosa, entre o espírito detectivesco e a piedade pelos criminosos. A ela se deve a reminiscência das personagens virtuosas que geralmente associamos a Russell Crowe, quando lhe diz "se matar este homem, nunca mais falo consigo". Crowe é um bom rapaz, todos o sabemos, e este grilo falante de cabelos loiros está aqui para lhe lembrar isso.