Bombeiro de Elite. Joaquim Aires "vinha a morrer" mas ganhou com recorde em Braga
À 3.ª edição, a coroa de glória mudou de dono. Joaquim Aires, dos Sapadores do Porto, "vinha a morrer na parte final", mas folgado o suficiente para bater duplamente o bicampeão Paulo Santos (Sapadores de Lisboa). Foi o primeiro a ganhar-lhe no Bombeiro de Elite, a subida em contra-relógio dos 566 degraus do Bom Jesus, em Braga, e baixou 16 segundos ao recorde que pertencia ao vencedor de 2017 e 2018, esta sábado segundo com mais seis segundos do que o triunfante ciclista da Invicta.
A subida do escadório do Bom Jesus do Monte, santuário classificado pela UNESCO Património Cultural Mundial a 7 de julho, tem tanto de mística, como de dura. São 615 metros com 566 escadas a subir 116 metros de altitude. É utilizado por religiosos em reflexão e por desportistas, mais ou menos amadores. No Bombeiro de Elite, a maior prova de competição europeia para os membros desta classe, acresce um detalhe: 30 quilos de equipamento.
O bombeiro vai trajado como se se estivesse a dirigir a uma operação de socorro em cenário urbano. De botas, de calças, de casaco, com a cogula [máscara parecida com as da Fórmula 1] enfiada na cabeça a multiplicar a temperatura e as dificuldades respiratórias, de luvas, de capacete. E de arica, o sistema de regulação respiratória simbolizado pela botija às costas e o tubo de ligação à boca.
"É mais difícil do que estava à espera. Treinámos lá no quartel o mesmo número de degraus, mas aqui é mais desnivelado. O ziguezague inicial é mais complicado. Depois, já vemos escadas cá de cima e ganhamos um objetivo", explica um extenuado Tiago Alves Póvoa, de 24 anos. Bombeiro desde 2012 e profissional há 4 nos Voluntários Porto de Mós, Tiago estava estirado à sombra da igreja, estourado. "A organização fala dos degraus, mas uma coisa é saber-se que existem os degraus, outra é chegar lá abaixo e verificar que a distância entre eles é muito grande, o que dificulta muito os movimentos", testemunha. "O tempo que fiz? Nem tive tempo de parar o cronómetro. Cheguei cá cima e tirei tudo...", revela sobre o extremo cansaço com que cortara a meta uns largos minutos antes.
No entanto, Tiago, um estreante, ficou fã. "Foi a primeira vez e foi bom. Para os jovens, principalmente, porque aliamos o que gostávamos de fazer, o desporto, com a profissão. Tive de abdicar do futsal e do BTT por causa dos Bombeiros", explica. E acrescenta outros ganhos que uma prova como o Bombeiro de Elite traz: "São 11 nacionalidades diferentes, conhecemos outras realidades e fazemos conhecimentos. Já combinamos visitas a corporações estrangeiras, que também querem vir visitar-nos".
"Atingimos os objetivos a que nos propusemos quando começamos esta prova em 2017. São 800 inscritos e a participação internacional está a aumentar", comenta Fernando Curto, presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP), à qual está ligado como secretário regional do Norte o mentor desta competição, Ricardo Fernandes (bombeiro profissional nos Sapadores de Braga).
"É um complemento à nossa profissão. O exercício físico é fundamental para podermos prestar socorro nas melhores condições e é bom que a população perceba que os nossos bombeiros estão em forma", acrescenta o também chefe da 1.ª Companhia do Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa.
Os planos da ANBP são ambiciosos. "Dá para aumentar o número de participantes, mas temos de o fazer de forma sustentada, como, de resto, queremos fazer tudo. Há a ideia de replicar o Bombeiro de Elite por todos país e criar um campeonato nacional, aproveitando as quatro provas que já se disputam em Portugal [Bombeiro de Ferro, Firefighter - Tower Run e Superbombeiro]", conta Fernando Curto.
Mas as batalhas principais dirimir-se-ão nos gabinetes governamentais. "Estamos à espera das eleições legislativas e da tomada posse para voltar às negociações. Agora que o Estatuto Profissional do Bombeiro entrou em vigor [2 de julho], temos de voltar a discutir a idade de reforma numa profissão de enorme exigência física para quem anda na linha da frente. É impensável, e nem sequer seguro para profissionais e população, que um bombeiro profissional se reforme aos 60 anos. Se for alguém que esteja a exercer cargos de chefia, como eu, até admito que possa continuar até aos 65 anos. Mas para os que andam na primeira linha, não. Tal como propusemos, aos 50 ou 55 um bombeiro profissional deve ir para a reserva ou para a pré-reforma. Talvez entrar mais cedo na profissão, aos 18 anos, para se poder reformar 30 anos depois. Até porque em meia dúzia de anos vamo-nos deparar com um problema grave: a média de idade muito alta [é de 40 anos atualmente] e o envelhecimento dos profissionais", atira.
O Bombeiro de Elite 2019 agitou a zona de acesso ao escadório do Bom Jesus, em Braga, desde muito cedo. Era um bom milhar de pessoas a circular, entre inscritos (800), acompanhantes, familiares e membros da organização. A partida estava marcada para as 9.00, mas uns minutos depois ainda se ouvia no sistema de som a mensagem enviada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (ausente na cimeira climática das Nações Unidas, em Nova Iorque).
Por volta das 9.15, arrancou o primeiro concorrente de um contingente que envolveu 140 corporações de 10 países - de Portugal, Espanha, Alemanha, Polónia, Inglaterra, Croácia, Luxemburgo, Cabo Verde e Brasil.
Junto à zona de meta, música, exercícios de aquecimento, muitas conversas novas e outras para pôr em dia. Mateusz Drozda, segundo em 2018, ia descontraindo à sombra com a namorada.
"Este ano não estou bem preparado. Acabei a recruta em Varsóvia e fui integrado no quartel da minha cidade natal, Lublin. E tenho treinado menos", confessava o bombeiro da KM PSP Lublin, de 26 anos. Aproveitando a participação na prova de Braga, Mateusz veio passear. "Ontem fomos ao Porto e aproveitamos para dar um mergulho no mar. A água? Estava fria", ria-se. "E salgada", acrescentava a namorada.
Agnieszka é professora do ensino especial e ainda não se conformou com a ideia do companheiro arriscar a vida como profissão. "É perigoso. Se estou bem com isso? Não", diz perentoriamente.
Voltando à competição, Mateusz tinha uma aposta pouco arriscada. "Acho que favorito é o Paulo, porque corre em casa", atirou sobre aquele que o venceu em 2018. Não andou muito longe de acertar - falhou por seis segundos, tal como o sub-chefe de 2.ª classe da 3.ª Companhia (Alvalade) do Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa.
Paulo Santos, antes da prova, achava difícil bater o recorde da prova, que lhe pertencia desde há um ano (5m44s). Mas conseguiu-o: registou 5m32s e retirou 12 segundos ao seu melhor. "Parabéns ao Joaquim. O ano passado, deu-me os parabéns e disse-me que fiz um bom tempo. Acho que ele treinou a pensar no meu tempo. A prova correu-me bem, apesar de ter apanhado algumas pessoas no final que me obrigaram a mais ultrapassagens e mudanças de rumo do que estava à espera", explica o vencedor de 2017 e 2018.
Mas o melhor do até agora melhor do Bombeiro de Elite não foi suficiente. Para alguma surpresa daquele que superou o bicampeão, Joaquim Aires. "Não me preparei muito. Vim às cegas", revela o bombeiro dos Sapadores do Porto. "Não tinha noção do tempo que vinha a fazer. Vinha a morrer na parte final e pensei que ia fazer pior do que no ano passado", acrescentou. Mas não fez, fez bem melhor em tempo e saltou de quarto na geral absoluta (5m59s) para o primeiro lugar, com 5m26s, fixando um novo recorde.
Na geral absoluta feminina ganhou uma jovem em início de carreira e que estava claramente emocionada com o triunfo. Kasia Jakubek tem 18 anos e está a fazer a recruta na companhia OSP de Giedlarowa, na Polónia. "Fui para bombeira para ajudar as pessoas", dizia ainda atarantada com o foco da atenção e a sensação de vitória. "Treinei dois meses", confessou. E ganhou. "É muito bonito. É um momento muito bom".
Para o ano, há mais. Talvez ainda mais interesse, mais superação e outra estrutura, como Fernando Curto revelou: "Temos de pensar noutra estrutura porque a prova cresceu muito".