Blues foram à moda do Porto

Os jardins do Palácio de Cristal voltaram a transformar-se num pequeno enclave do sul dos Estados Unidos, transplantado para o norte de Portugal em mais uma edição do Porto Blues Fest.
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Os cheiros e sabores da comida cajun de Nova Orleães podem, à partida, parecer um pouco deslocados em pleno centro do Porto, mas é precisamente esse o objetivo do Porto Blues Fest, que pelo terceiro ano consecutivo trouxe até à foz do Douro o espírito do delta do Mississipi. Há comes e bebes, feira de discos mais ou menos raros, mas é especialmente a música que a cada edição parece atrair cada vez mais fãs a este "festival de nicho", como o apresenta Adalberto Ribeiro, o organizador e programador do evento.

Ao olhar para o público e avaliando o modo este como reage aos artistas que, ao longo de duas noites, passaram pelo palco da Concha Acústica dos jardins do Palácio de Cristal, percebem-se perfeitamente as palavras de Adalberto, ele próprio um fã deste estilo musical. Não que haja qualquer tipo de homogeneidade no público, muito pelo contrário, há gente muita nova e outra mais bem veterana, homens e mulheres quase em igual número, algumas crianças com os pais, roupas um tanto ou quanto formais lado a lado com peças de vestuário mais freak...

O que todos eles têm em comum é o amor pelos blues, manifestado pelo respeitoso entusiasmo, mas nada moderado, com que os artistas são brindados quando sobem ao palco. E eram oriundos das mais variadas latitudes, os músicos presentes nesta terceira edição do Porto Blues Fest, embora todos eles tenham as suas bússolas apontadas para o sul dos Estados Unidos, esse imenso território algures entre Memphis e Nova Orleães, que serviu de berço aos blues e por arrasto a toda a música popular, tal como a conhecemos hoje - seja rock, jazz ou hip-hop, quase tudo o que se ouve é descendente dos blues. "É esse legado que aqui pretendemos celebrar", sublinha Adalberto, justificando assim também a variedade do cartaz, "outra imagem de marca do festival", que desde o primeiro momento aposta nos mais variados géneros dos Blues.

O pontapé de saída foi este ano dado pelo alemão Henrik Freischlader, um guitarrista influenciado por nomes como Jeff Beck, Steve Ray Vaughn e especialmente Gary Moore (com quem já partilhou o palco), que veio acompanhado da sua banda. Apesar da energia dos seus blues rock, o público permaneceu sentado ou deitado na relva durante os primeiros temas, mas, aos poucos, aqui e ali, lá se começou a dançar e quando a verdadeira cabeça-de-cartaz da primeira noite finalmente subiu ao palco, já eram poucos os que não estavam de pé. E esse estatuto pertencia à americana Juwana Jenkins, uma cantora de Filadélfia conhecida pela entrega em palco, onde consegue juntar a memória da Motown e da Stax com o groove do funk e a energia do rock. Acompanhada de uma banda composta por músicos portugueses, criada de propósito para este espetáculo, conseguiu a proeza de colocar as cerca de mil pessoas presentes todas a dançar. "Se não fossem vocês, possivelmente estava a cantar na minha cozinha. Obrigado, Porto, por ajudarem a manter os blues vivos", agradeceu, antes de arrancar para uma lânguida versão do clássico Hound Dog, popularizado por Elvis Presley.

Seguiu-se uma outra versão, agora de Alright, Okay, You Win, uma canção tornada famosa por nomes como Count Basie ou Peggy Lee, mas que ali, naquele momento, parecia ter sido escrito de propósito para Juwana Jenkins. "Fala-se muito de blues negros, blues brancos, blues europeus e blues americanos, mas não interessa donde somos, porque todos nós sentimos os blues", afirmou em jeito de despedida, antes de arrancar com a interpretação de Ain't No Color But The Blues, um tema da sua autoria, com o qual arrancou uma estrondosa ovação ao público, por esta altura já completamente rendido ao vozeirão da cantora americana.

O senhor blues

Antes de arrancar com o Porto Blues Fest, Adalberto Ribeiro, 50 anos, organizou dois dos mais importantes festivais de música realizados na zona do grande Porto, o Gaia Blues e o Matosinhos Jazz. Com o fim do primeiro, "devido a mudanças da política cultural", por parte da câmara de Gaia, abriu-se espaço para um novo festival dedicado a este estilo musical, até porque, defende, "muita gente ficou órfã". Adalberto sabe do que fala, até porque realiza festivais de blues um pouco por todo o país, ilhas incluídas. É ele o responsável pelo Santa Maria Blues Fest, que já vai na 17ª edição e é hoje uma referência até em termos europeus, juntando, durante os três dias de festival, cerca de seis mil pessoas na ilha de Santa Maria, nos Açores. "Demora algum tempo a construir uma marca, mas é isso que estamos a tentar fazer com o Porto Blues Fest", sublinha Adalberto. No futuro, pretende alargar o festival a outros locais da cidade, prolongando-o durante mais tempo, mas, por agora, "o objetivo é fidelizar o público", até porque "já são muitos os totalistas, que repetiram as três edições".

Entretanto, no palco, já se ouve a guitarra do australiano Gwyn Ashton, considerado em 2001 pela Guitar Part Magazine um dos melhores guitarristas de blues do mundo, apenas atrás de Jeff Beck e Gary Moore. Já lá vão alguns anos, é certo, mas Gwyn ainda sabe bem o que faz. Mesmo quando se apresenta em versão one-man band, como fez no Porto, tocando guitarra e bombo de bateria, com o pé, num concerto de puro blues rock que foi um dos melhores momentos de todo o festival. Depois subiu ao palco a prata da casa, os portuenses Minneman Blues Band, um dos mais celebrados coletivos de blues em Portugal, que este ano celebram 40 anos de carreira e prolongaram a festa noite fora, com uma mistura explosiva de jazz, funk e blues. Momentos antes, numa "música de homenagem" aos seus "heróis dos blues", Gwyn Ashton confessara nunca ter estado no Missipipi. "Eu também não", murmurou alguém entre o público, "mas não faz mal, porque nestes dois dias foi o Missipipi que veio até nós".

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