Biocombustíveis. Empresas alertam governo para risco de falência
As empresas que produzem biocombustíveis estavam à espera de que a meta de incorporação subisse para 10% em 2019, tal como está previsto na lei, mas em vez disso a proposta do Orçamento do Estado para 2019 ditou uma redução da de 7,5% em vigor em 2017 e 2018 para 7%. Apesar do recuo, o governo garante que a nova taxa não afeta o "cumprimento das metas e objetivos a que Portugal se encontra vinculado" em termos de incorporação de combustíveis verdes até 2020.
As empresas não concordam. Jaime Braga, presidente da Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis (APPB), vai hoje dizer isso mesmo a João Galamba, o novo secretário de Estado da Energia, com quem tem uma audiência marcada, depois de já se ter reunido com todos os grupos parlamentares. "Como é que se vira a cara ao que está na lei? Toda a gente é muito amiga do ambiente, mas chega aos transportes e é: biocombustíveis não, viva o gasóleo", acusa Jaime Braga, que critica também a decisão do governo de baixar o imposto sobre os combustíveis apenas na gasolina, deixando de fora o diesel, campeão de vendas em Portugal.
O responsável da APPB garante que na indústria dos biocombustíveis o risco de falência é real. "Há sinais de que uma das empresas, a Biovegetal, já parou mesmo a atividade. Das sete empresas que existem no país já só estão a trabalhar seis e se nada mudar depressa passam a cinco. Passando a incorporação de 7,5% para 7% receio que as empresas sofram um golpe economicamente doloroso. Quando o mercado encolhe é isso que acontece", confessou ao DN/Dinheiro Vivo. Cada uma com capacidade para produzir cem mil m³ de biocombustíveis por ano, empresas como a Prio, Sovena, Torrejana, Enerol e Biovegetal competem num mercado que apenas absorve 300 mil m³ de produto. Ou seja, "há excesso de capacidade", diz a APPB. Soma-se ainda a Galp, que através da Enerfuel também produz biocombustíveis e concorre com associados da APPB.
No caso da Prio, por exemplo, a empresa fez um investimento de três milhões de euros numa nova unidade de tratamento intermédio de óleos na sua fábrica de Aveiro, a contar com a subida da taxa de incorporação para os 10% em 2019, que não irá verificar-se.
De acordo com as metas assumidas por Portugal perante Bruxelas, e como está previsto nos decretos-lei 117/2010 e 152-C/2017, Portugal deveria ter chegado aos 9% de incorporação de biocombustíveis já em 2017 e 2018, prevendo-se um salto para a meta seguinte de 10% em 2019 e 2020. O que, claramente, não aconteceu. A taxa de 7% no próximo ano fica abaixo do que foi inicialmente previsto para os anos 2015 e 2016. Os valores já definidos desde 2010 eram de 5% em 2011 e 2012, 5,5% em 2013 e 2014, 7,5% em 2015 e 2016, 9% em 2017 e 2018 e 10% em 2019 e 2020.
Em Espanha, a taxa de incorporação de biocombustíveis não vai além dos 6%, muito abaixo da meta estabelecida pela diretiva da União Europeia, que dita que todos os países têm de chegar aos 10% até 2020. Os dados mais recentes do Eurostat, de 2017, mostram a Suécia perto dos 25% e a Finlândia acima dos 20%
Jaime Braga diz desconhecer as razões que levaram o governo a decidir descer a taxa de incorporação de biocombustíveis de 7,5% para 7% e espera obter essa resposta já hoje quando tiver uma audiência com o novo secretário de Estado da Energia. Com base numa comparação com Espanha, o Partido Comunista tinha já proposto uma redução da meta de incorporação. "Estudam mal os assuntos, olham só para as metas formais - Portugal com 7,5% e Espanha nos 6%. Têm de olhar para a incorporação real e não só para as metas. O que custa dinheiro é a incorporação real e Espanha está neste momento a incorporar, em termos físicos, mais biocombustíveis do que Portugal", defende o presidente da APPB.
A questão prende-se com a existência em Portugal de uma dupla contagem dos biocombustíveis com origem em óleos alimentares, e outras matérias-primas residuais, que são incorporados sobretudo no gasóleo, o que não acontece em Espanha. Ou seja, "com menos quantidade de incorporação de biocombustível cumpre-se na mesma a meta de 7,5%", explica Jaime Braga, mas na realidade Portugal está a incorporar menos de 5%, abaixo de Espanha. "Desta forma, o argumento de que há falta de competitividade face a Espanha cai."
Na prática, a dupla contagem permite às empresas portuguesas reduzirem os custos de fabrico e serem competitivas, mas diminui as quantidades vendidas. "As vendas estão a descer e as empresas estão com atividade fraca. O ideal era a lei ser cumprida e passarmos para 10% de incorporação, para melhorar a atividade do setor."
Jaime Braga reconhece que há um sobrecusto associado aos biocombustíveis, mas sublinha que "há outros fatores que pesam bem mais nos preços dos combustíveis", como os impostos, por exemplo. "Os sobrecustos com incorporação de biocombustíveis existem mas são pequenos. A própria Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE) diz que são 1,4 cêntimos em cada litro; longe dos impostos, que são 80 cêntimos na gasolina e mais de 40 cêntimos no gasóleo", defende o presidente da APPB, sublinhando a conjuntura atual com o petróleo com preços em alta e as oleaginosas e cereais em baixa.
Os números da ENSE mostram que os biocombustíveis dizem respeito a uma fatia de apenas 1,1% do preço do litro de gasóleo: 1,4 cêntimos em 1,260 euros por litro. Decomposto o preço do diesel, 53 cêntimos (42,3%) são pela cotação internacional e frete, 48 cêntimos (37,4%) de ISP e outros impostos e ainda 24 cêntimos de IVA (18,7%). "Se a meta de incorporação dos biocombustíveis aumentasse para 10%, o sobrecusto subiria de 1,1 cêntimos para 1,5 cêntimos", reconhece Jaime Braga, citando dados da ENSE.
A decisão do governo em reduzir a meta de incorporação e aproximá-la do patamar de Espanha pode estar relacionada com uma tentativa de tentar travar a escalada dos preços dos combustíveis face ao país vizinho. Contas feitas pela Prio, e avançadas ao DN/Dinheiro Vivo, mostram que uma incorporação de biocombustíveis de 10% poderia implicar um aumento deste sobrecusto em 0,7 cêntimos por litro, por comparação com Espanha. Algo que o governo pode querer evitar.
As petrolíferas também temem um agravamento dos preços. "Sendo os biocombustíveis mais caros do que os combustíveis de origem fóssil, quanto maior for a taxa de incorporação mais elevado será o preço final. Aumentando a diferença entre as taxas de incorporação em Portugal e em Espanha, naturalmente que se agravará a diferença de preço entre os dois países, sendo nós mais penalizados", lembra João Reis, da Apetro.