Bicicletas recuperadas estão a dar asas a jovens desprotegidos
"Uso a bicicleta para tudo. Tanto na minha vida pessoal como para ir trabalhar. A utilização da bicicleta facilita muito a minha vida, pois nem sempre os transportes são eficazes". As palavras são de Ali Nazari, 22 anos, do Afeganistão, um dos beneficiários do projeto Bicicletas com Asas, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). Todos os dias, este jovem devora quilómetros com a sua bicicleta, tanto para trabalhar, como para lazer. Se for de bicicleta está a dez minutos do trabalho, de transportes públicos as contas eram outras, e nos tempos livres gosta de conhecer Lisboa e até já foi a Cascais sempre a pedalar.
O projeto Bicicletas com Asas nasceu em setembro de 2020 no seio de um outro projeto da SCML, o Centro de Promoção Social da PRODAC, em Marvila, mais concretamente a sua Cicloficina Crescente. O objetivo é ceder uma bicicleta a um jovem apoiado pela instituição durante o período de um ano, que pode ser renovável, de forma a facilitar e ajudar a transformar a vida desse jovem. "A nossa ideia foi testar o projeto com quatro bicicletas que tínhamos recuperadas para fazermos a entrega e o acompanhamento de quatro utilizadores e vermos qual o impacto que essa utilização poderia ter. Depois tivemos outros donativos e passaram a seis e dentro dessas seis houve bicicletas que foram reutilizadas por mais pessoas. No total, já atingimos dez utilizadores", conta ao DN Júlio Santos, animador sócio-educativo do Centro de Promoção Social da PRODAC.
Os beneficiários deste programa são identificados pela Equipa de Intervenção Comunitária, também da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e são jovens vulneráveis que estão em processo de autonomia, ou seja, têm o acompanhamento da Santa Casa numa fase de formação escolar ou à procura de emprego.
No caso concreto do Bicicletas com Asas, até ao momento, todos os beneficiários são do sexo masculino, com uma idade média entre os 18 e os 20 anos e migrantes, vindos de países como Afeganistão, Irão, Guiné ou Mali. "Este benefício pode passar de várias formas: há jovens que passar a usar a bicicleta como uma ferramenta de transporte diário e com isso conseguem fazer algumas poupanças; mas também temos jovens que estão mais isolados, o que a pandemia veio agravar, e que também podem usar a bicicleta pelo lado lúdico de socialização, pela prática de desporto, isso também os anima e os envolve", enumera Júlio Santos.
"Tivemos jovens que começaram a usar a bicicleta como ferramenta de trabalho, nos seus tempos livres começaram a fazer distribuição de comida em bicicleta, viram ali uma ferramenta de trabalho e resolveram investir nisso; alguns deixaram de comprar o passe, conseguindo fazer algumas poupanças; tenho também relatos interessantes de jovens que falam do aspeto do bem-estar que lhes dá usar a bicicleta no seu dia-a-dia, porque se sentem capazes, sentem-se autónomos. E tudo isto foi conseguido com bicicletas muito simples que foram recuperadas e reaproveitadas ou doadas e o espírito é conseguirmos dar este acesso a quem num determinado período, por uma determinada razão, não conseguiu ter acesso a elas", sublinha o técnico da Santa Casa.
O iraniano Alireza Mokhtarpour, de 19 anos, chegou a Lisboa há um ano e sete meses. Está à procura de trabalho e em setembro vai começar um curso de eletricista. "A minha vida está a correr bem em Portugal", diz Alireza, sublinhando que desde o início se sentiu em casa e, acima de tudo, elogiando o projeto que lhe permitiu virar costas aos transportes públicos.
"Eu não gosto de andar de autocarro ou de comboio, sinto-me preso. Prefiro a bicicleta", conta, referindo que assim consegue "poupar tempo e dinheiro, faço desporto e vejo o rio todos os dias". "Sinto-me livre e feliz na bicicleta", afirma o jovem.
Sikou Traore, de 25 anos, oriundo Mali, está a trabalhar numa pizaria e a tirar um curso de pasteleiro. Para ele, a bicicleta é uma mais-valia para ir trabalhar e fazer compras, poupando o dinheiro do passe.
"A ideia de chamarmos Bicicletas com Asas tem aqui dois sentidos: é darmos asas à bicicleta que está parada a apanhar pó e o dar asas à pessoa que passa a beneficiar do uso da bicicleta, que pode ganhar asas pela parte de ter um dia-a-dia mais saudável, resolver um problema de deslocação, enfim, por todos os benefícios que a bicicleta pode ter", remata Júlio Santos.
O Bicicletas com Asas pode ser ajudado por todos aqueles que têm bicicletas em casa que já não usam porque está avariada ou arranjaram uma nova. O mesmo serve para capacetes e outros equipamentos de proteção, luzes, correntes, para-lamas, entre outros. Para os entregar basta contactar a Cicloficina Crescente através do número 218 310 950 ou do e-mail cps.prodac@scml.pt.