Berlusconi de olho no Senado com centro à espera de roubar-lhe votos

Ex-primeiro-ministro de 85 anos foi expulso da câmara alta em 2013 após ser condenado por fraude fiscal e impedido de concorrer por seis anos, tendo em 2019 sido eleito eurodeputado.
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O ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi está a planear o seu regresso à política italiana, anunciando que será candidato ao Senado nas eleições antecipadas de 25 de setembro. O anúncio surge numa altura em que a coligação de centro-direita, da qual o seu Força Itália faz parte, surge com uma vantagem confortável nas sondagens, mas o seu partido enfrenta uma série de deserções importantes e está sob a ameaça de uma nova aliança de centro que espera conseguir roubar-lhe votos.

"Acredito que, no final, me apresentarei como candidato ao Senado, para que todas as pessoas que me pediram fiquem felizes", disse o empresário de 85 anos à rádio RAI 1. Il Cavaliere, que entre 1994 e 2011 esteve à frente de quatro governos, tinha sido expulso do Senado em novembro de 2013, depois de ser condenado por fraude fiscal. Nessa altura ficou também impedido de concorrer às eleições durante seis anos, mas não desistiu da carreira política, acabando por ser eleito eurodeputado em 2019.

Já em janeiro deste ano, Berlusconi procurou ser eleito presidente de Itália, desistindo da corrida por alegadamente não querer ser causa de "polémicas ou lacerações" num país ainda a lutar contra a pandemia e com um frágil governo de união nacional - do qual a Força Itália fazia parte. Sérgio Mattarella, que rejeitava a ideia de um segundo mandato consecutivo, acabaria por ser reeleito para o cargo. Mas o governo de união acabaria mesmo por ruir, depois de primeiro o Movimento 5 Estrelas e depois o próprio Força Itália e a Liga terem retirado o apoio a Mario Draghi.

A decisão de não apoiar o primeiro-ministro, desencadeando a antecipação das eleições, que só estavam previstas para o próximo ano, teve contudo repercussões dentro do partido de Berlusconi. Vários nomes importantes, incluindo duas ministras do governo cessante - Maria Stella Gelmini, titular dos Assuntos Regionais, e Mara Carfagna, da Coesão Territorial - desvincularam-se do Força Itália e aderiram ao Ação (Azione).

Este partido de centro, liderado pelo ex-ministro do Desenvolvimento Económico Carlo Calenda, anunciou ontem uma aliança com o Itália Viva, do ex-chefe de governo Matteo Renzi. As duas formações políticas defendem a continuidade da agenda reformista do primeiro-ministro demissionário, Mario Draghi, e querem liderar um "terceiro bloco" que seja uma alternativa tanto à coligação de centro-direita como de centro-esquerda.

Esta nova aliança surge depois de um primeiro pacto eleitoral entre o Ação e o Partido Democrático (o PD, centro-esquerda), de Enrico Letta, ter implodido na sequência deste ter feito acordos com partidos mais à esquerda, nomeadamente a Esquerda Italiana e a Europa Verde. O PD, junto com o movimento Mais Europa (+E) da ex-chefe da diplomacia e comissária europeia Emma Bonino, anunciou entretanto que o cabeça de lista será o antigo líder do Departamento Financeiro do Fundo Monetário Internacional, Carlos Cottarelli. Letta disse que ele será "um ponta de lança na campanha eleitoral", aproveitando a sua popularidade como comentador televisivo para fazer os eleitores "sentirem que estão em boas mãos". O centro-esquerda tem 29,3% das intenções de voto na última sondagem da Sky italiana.

O "terceiro bloco" que junta o Ação ao Itália Viva surge com apenas 4,2%, mas Calenda espera conseguir roubar mais votos ao Força Itália. O partido de Berlusconi tem 8,9% das intenções de voto, mas está bem colocado para voltar ao poder graças à aliança com os Irmãos de Itália, de Giorgia Meloni (que lidera com 24,2%), e com a Liga, de Matteo Salvini (14%). O centro-direita, que inclui ainda outros dois pequenos partidos, tem 48,2% das intenções de voto e está bem colocado para alcançar uma maioria, tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado.

Nas declarações à RAI 1, Il Cavaliere procurou calar os rumores de que estaria preocupado com a possibilidade de Meloni, que foi sua ministra da Juventude, se tornar a primeira mulher a liderar o governo italiano. "Se for a Giorgia, tenho a certeza de que ela será capaz de realizar essa tarefa difícil", disse Berlusconi, lembrando que o acordo à direita é que o partido mais votado será o encarregado de escolher o primeiro-ministro. Lembrou contudo, numa entrevista ao Il Gionale, que "cada voto a favor do Força Itália fortalecerá o perfil moderado e centrista da coligação".

Meloni, de 45 anos, tem procurado branquear as raízes pós-fascistas do partido que criou há dez anos - e que nas eleições de 2018 não foi além dos 4% de votos. "Há várias décadas que a direita italiana relegou o fascismo para a História, condenando sem ambiguidade a privação da democracia e as infames leis antissemitas", disse num vídeo em inglês, francês e espanhol divulgado pela sua campanha.

Único partido que não fez parte do governo de união de Draghi - surgindo como a verdadeira "alternativa" face aos aliados da Liga e até aos antissistema do Movimento 5 Estrelas (10,6% nas sondagens) -, os Irmãos de Itália concorrem sob o lema "Deus, pátria e família". E têm conseguido atrair eleitores com as promessas de cortar nos impostos e na burocracia, fechar as fronteiras e lutar contra a "islamização" de Itália (repetindo as ideias que catapultaram Salvini há quatro anos), renegociar os tratados europeus e combater os lóbis LGBT.

susana.f.salvador@dn.pt

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