Há 59 anos que não se via algo assim para os lados da Luz. Desde a época 1961-62, quando José Águas, Coluna e Simões ou o jovem Eusébio ainda jogavam, que o Benfica não sofria 16 golos nos primeiros 11 jogos da época. Mas há pior. Nove dos golos foram sofridos nos últimos três jogos, algo que não acontecia há 74 anos (1946). Um registo conseguido depois da derrota de domingo, com o Sp. Braga (3-2). Se contabilizarmos apenas os golos sofridos no campeonato, são já nove à sétima jornada, o que faz da defesa do Benfica 2020-21 a pior dos últimos 19 anos..Jorge Jesus regressou e prometeu pôr a equipa a jogar o triplo, mas a verdade é que está a sofrer o dobro do ano passado com Bruno Lage (oito golos nos primeiros 11 jogos da época). O que se passa com a defesa do Benfica? Para José Carlos, as explicações são muitas e vão desde as constantes mudanças dos médios aos erros individuais, passando por centrais lentos e a lesão de André Almeida, até à falta de tempo para o treinador trabalhar processos. Tudo junto explica a defesa permeável.."Eu não entendo os golos sofridos como sendo uma responsabilidade única e exclusiva da defesa, que isso fique bem claro. Para mim, defender a baliza é todo um processo, e é nesse processo que algo está a falhar, mas a responsabilidade é de toda a equipa", alerta o antigo defesa direito encarnado nas décadas de 80 e 90, lembrando que há duas formas de ver a situação: a individual e a coletiva..Comecemos pela responsabilidade individual, que "tem muito a ver com a saída daquele que provavelmente é o melhor central português da atualidade, Rúben Dias, nos últimos dias do mercado", o que levou à chegada de Otamendi para se juntar a Vertonghen. "Na forma como o Benfica quer jogar coletivamente, que é começar a defender com uma pressão muito alta, com uma defesa muito subida, os centrais são algo lentos para essa forma de jogar. Isso é notório em alguns golos sofridos, que acontecerem por a defesa estar muito subida e depois não haver velocidade suficiente nos dois para responder às investidas rápidas dos adversários", explicou José Carlos ao DN..Os erros individuais, "daqueles que não se podem sofrer em alta competição", têm sido mais frequentes do que os adeptos gostariam, mas aí Jesus não pode fazer grande coisa: "Por mais que o treinador trabalhe bem o coletivo, os erros individuais são difíceis de trabalhar, embora não seja impossível. Frente ao Sp. Braga, até o certinho Vlachodimos faz um disparate daqueles [saiu da baliza e falhou o corte de cabeça no 3-0].".A lesão do André Almeida, "um lateral que é fundamental para o rendimento desta defesa", no jogo com o Rio Ave, também contribuiu para o descalabro defensivo e levou o ex-Benfica a dizer que "agora se percebe porque ele joga com todos os treinadores". Mas nem só de azares se acumulam golos sofridos na baliza de Vlachodimos. "A falta de qualidade individual" de um ou outro jogador também não ajuda: "O Gilberto é bom tecnicamente, mas em termos táticos deixa muito a desejar. Tem tido muitas dificuldades e irá continuar a senti-las porque me parece ser um jogador com lacunas defensivas graves, não só do ponto de vista individual como do posicionamento coletivo, como se viu no jogo com o Rangers [entrou ao intervalo e esteve em dois dos três golos sofridos].".Olhando para o processo do ponto de vista coletivo, a dupla de médios que joga à frente tem tudo a ver com a forma como o Benfica sofre os golos na opinião do antigo defesa. "O Benfica na frente resolveu bem os problemas, com o Luca, o Everton, o Darwin e o Rafa, jogadores com uma capacidade de pressionar muito grande e muito bem orientados para isso. Nesse aspeto o Benfica está muito melhor do que no ano passado, mas quando a equipa tem quebras, depende muito desses dois médios, são eles que dão suporte a essa pressão. Eles são muito importantes para o equilíbrio na frente e atrás. E o Benfica tem mudado muitas vezes essa dupla de médios. Gabriel, Taarabt, Weigl, até o Samaris já foi opção", recordou o ex-benfiquista, lembrando ainda que o Pizzi, a jogar naquela posição, precisa de um jogador forte ao seu lado, para superar "as lacunas defensivas"..A famosa estabilidade defensiva está longe de ser conseguida. E se a lesão grave de André Almeida não ajudou, a de Grimaldo também não. Até à saída de Rúben Dias, Jesus fez alinhar sempre o mesmo quarteto defensivo: André Almeida, Vertonghen, Rúben Dias e Grimaldo. Depois da saída do jovem central para o City, chegou Otamendi e foi direto ao onze titular ao lado de Jardel (Vertonghen estava lesionado). Depois lesionou-se André Almeida e a opção foi Gilberto e Diogo Gonçalves no lado direito da defesa. Logo a seguir lesionou-se Grimaldo, e Jesus apostou em Nuno Tavares. Desde a saída de Rúben Dias, o treinador encarnado só repetiu um quarteto defensivo uma vez em oito jogos e até fez uma troca inédita, ou no mínimo improvável, dos dois laterais no intervalo do jogo com o Rangers da Liga Europa a meio da semana. Nuno Tavares saiu para dar lugar a Grimaldo e Diogo Gonçalves foi substituído por Grimaldo após um autogolo..Jorge Jesus tem-se queixado da falta de tempo para preparar a equipa, fruto da intensidade de jogos, e José Carlos também identificou o problema, que não é exclusivo da equipa da Luz. Para o ex-jogador, quem teve um início de época mais descansado, a trabalhar com a equipa toda e com o plantel completo e formado tirou vantagem disso. "Chegar e jogar não ajuda ao processo defensivo, os jogadores mal tiveram tempo para se conhecerem e treinarem juntos e já estão em campo a jogar. O entrosamento só se ganha com o tempo, os treinos e os jogos. O período atípico que o futebol está a viver levou a um início de época feito em cima do joelho e em alguns casos mal feito, e isso não dá muita margem ao treinador, ainda mais com a perda do farol desta defesa, o André Almeida. É uma defesa praticamente nova e sem tempo para ser trabalhada em campo. Uma coisa é o treinador mostrar como se faz no PowerPoint ou na televisão, outra é explicar as duas ideias no campo", defendeu o agora comentador Sport TV..Agora se percebe porque o Jorge Jesus "insistia tanto em contratar Rúben Semedo", segundo José Carlos: "Acho que o Benfica precisa de um central rápido para casar com um destes dois, juntos não funcionam na maneira de jogar. Se o Benfica quer jogar subido tem de ter centrais que deem coberturas às suas costas. O Otamendi nunca foi rápido, mas antes disfarçava, o Verthogen é lento, o Jardel é idêntico...".Confessando que não está habituado a tantos jogos sem vencer (três em 11, quando no Flamengo perdeu quatro em 90), Jorge Jesus assumiu a responsabilidade por os jogadores ainda não terem absorvido as suas ideias. A cumprir a sétima época na Luz, este arranque é o segundo pior de Jesus, só superado por aquele ano de Roberto na balia (2010-11). Se serve de consolo aos adeptos, a última vez que o Benfica sofreu tantos golos nos primeiros 11 jogos da temporada foi em 1961-62... época em que venceu a Taça dos Clubes Campeões Europeus (atual Champions).