Bem-vindo a Setúbal mais um bispo de Leça do Balio

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Um setubalense como eu nascido no início da década de 1970 não consegue deixar de associar o nome de D. Manuel Martins a bispo de Setúbal. Quase sinónimo. E não é por ter sido o primeiro, em 1975. O homem que de início foi visto com desconfiança - afinal, era do norte, numa época pós-Revolução que criou uma realidade política divisiva que se refletia na geografia do país - conquistou todos, ou quase todos, na cidade e no distrito.

Como Setúbal era governada pelo PCP e a certa altura todos os outros concelhos também, a um bispo que denunciou a injustiça e a pobreza nascida da crise da grande indústria foi fácil dar o epíteto de "Bispo Vermelho". D. Manuel Martins aceitou-o. Se ser vermelho era denunciar os salários em atraso - e posso testemunhar com conhecimento de causa familiar o dramático que foi a situação - então o homem da Igreja era vermelho. Em terras pouco dadas à religiosidade, ganhou admiração e respeito, mesmo que nem por isso as igrejas se enchessem.

D. Manuel Martins, bispo de Setúbal entre 1975 e 1998, depois bispo emérito, deixou marcas na minha cidade. Morreu em 2017, e há um busto a homenageá-lo, também uma escola secundária com o seu nome. Mas a admiração por ele não é coisa local.

Outros bispos já teve Setúbal, casos de D. Gilberto Canavarro dos Reis (que renunciou por motivos de idade) e de D. José Ornelas (agora bispo de Leiria-Fátima). E a prova de que todos eles, na cidade e no distrito, não escapam à comparação, bem-intencionada, com D. Manuel Martins, é agora o novo bispo, D. Américo Aguiar ter dito o que disse sobre o tanto que tem em comum com ele: "Há 48 anos, não sei quando é que foi o dia, mas no verão de 1975, era anunciado o primeiro bispo de Setúbal. E era um jovem de 48 anos, eu agora tenho 49. Um jovem de Leça do Balio, de onde também eu sou. Um jovem que era Vigário-Geral do Porto, que eu fui. Um jovem que foi responsável da Irmandade dos Clérigos, que eu também fui. Um jovem que ganhou a fama de "bispo vermelho", que agora também sou em razão das vestes cardinalícias".

A obra diz mais do que a etiqueta, o homem é muito mais do que uma veste, como os setubalenses aprenderam há quase meio século. O Papa Francisco cativa hoje até fora do catolicismo por ser alguém preocupado com a humanidade, com o verdadeiro sentido do humanismo. D. Manuel Martins, é a minha convicção, era igualmente assim.

"Seja bem-vindo a Setúbal, D. Américo Aguiar. Sabemos que vem por bem. Saúdo a nomeação de D. Américo Aguiar como Bispo de Setúbal, reconhecendo nesta nomeação, perante o perfil do nomeado, a importância que a Igreja dá à diocese que tem sede na nossa cidade", escreveu nas redes sociais André Martins, presidente da Câmara Municipal, um verde eleito nas listas da CDU, a coligação liderada pelos comunistas.

Setúbal mudou desde 1975. Sobretudo, reinventou-se dos tempos duros da década de 1980. Agora, recebe de braços abertos um bispo que dentro de dias será cardeal. Já ninguém pensa em norte e sul como opostos, num Portugal que é coeso como poucos, mas tem de ser mais justo. Seja bem-vindo, D. Américo Aguiar, de Leça do Balio.

Diretor-adjunto

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