'Belas Artes da Academia' reveladas pela primeira vez em 180 anos

Quase centena e meia de pinturas, esculturas e desenhos de artistas nacionais desde o século XVIII ao presente na Galeria D. Luís
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Com mais de dois metros e meio de altura, é um retrato de D. Maria II que abre a exposição. A razão da escolha é simples: foi a rainha que, em 1836, criou a Academia (então Real) de Belas-Artes, para "promover a civilização geral dos Portugueses, difundindo por todas as classes o gosto do Bello", lê-se no decreto real de 25 de outubro. Passados 180 anos, a Academia mostra pela primeira vez as obras que ao longo de quase dois séculos de vida foi juntando, na sua esmagadora maioria saídas do punho de professores e alunos da casa.

Sem inventário conhecido, a Academia (desde novembro de 2014 com nova direção) não tinha a noção exata do tesouro acumulado, em más condições, nas poucas salas que ocupa no antigo Convento de São Francisco, no Chiado, paredes-meias com o Museu de Arte Contemporânea, a Polícia de Segurança Pública e a Faculdade de Belas-Artes.

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As instalações em que a Academia se encontra são, de resto, uma das grandes preocupações da atual direção, presidida por Natália Correia Guedes, e também uma das razões pela qual avançaram em tão curto espaço de tempo com a organização desta exposição. "Ou esperávamos três ou quatro anos e saía um supercatálogo [sobre a coleção] ou dizíamos que existimos."

Depois da ideia e da decisão de avançar, o passo seguinte foi algo insólito: "Fiz uma exposição, no chão, nos corredores lá da academia, num dia em que não havia alunos, para que o professor [José-Augusto] França, que estava em Portugal nessa altura [maio/junho de 2015], pudesse selecionar as obras que deveriam estar na exposição, ele e a professora Cristina Azevedo, que é a comissária executiva da mostra", conta a museóloga, que, entre outros cargos, já dirigiu o Museu dos Coches.

Obras escolhidas, logo ficou claro quais os núcleos da exposição: a história da Academia, que inclui "obras memoráveis do acervo, como a vista da cidade de Lisboa e alguns desenhos de arquitetura de Ludovice [arquiteto alemão responsável pelo Convento de Mafra]", como refere Cristina Azevedo, dois quadros de José Malhoa (de D. Manuel II e do 1.º conde de Almedina), para além do já referido retrato de D. Maria II (c. 1836), de Joaquim Rafael.

[destaque:Com a exposição, a Academia mostra porque precisa de instalações mais amplas]

Segue-se um verdadeiro desfile de retratos e autorretratos de quase todos os professores da Academia, a pintura histórica e a pintura de paisagem. Ao fundo da Galeria do Rei D. Luís, um conjunto de desenhos e pinturas transporta para o ensino das belas-artes. "[Durante o curso] era obrigatório fazer pintura e desenho de modelo nu e o interesse deste núcleo é uma produção de artistas muito conhecidos: José Campas, Francisco Franco, Dórdio Gomes e Guilherme Santa-Rita - que não tem praticamente obra nenhuma porque por testamento mandou destruir toda a sua obra e nós temos dois", diz Natália Correia Guedes. Aliás, o movimento futurista é um dos grandes ausentes desta exposição, algo que se explica com a extinção da Academia em 1911, após a implantação da República, só tendo sido restaurada em 1932.

Artistas doam obras

A outra grande lacuna, de artistas contemporâneos, conseguiu a presidente da Academia colmatar. Escreveu cartas e fez telefonemas a pedir obras a antigos alunos: Graça Morais, José de Guimarães, Lima de Carvalho, José Quaresma foram alguns dos que responderam ao apelo. E até Manuel Cargaleiro, que num primeiro momento disse não ter qualquer obra para doar à Academia por já ter doado ao museu com o seu nome em Castelo Branco, acabou por descobrir um quadro na sua casa de Paris. O problema era o transporte para Lisboa. Logo resolvido pela presidente com a ajuda da Embaixada Portuguesa em Paris: "Veio por mala diplomática." Gostaria de ter um trabalho de Pomar entre as cerca de duas dezenas de obras contemporâneas. Mas também aqui o pintor já doou tudo ao Ateliê-Museu Júlio Pomar. Pode ser que venha a seguir o conselho de Natália que face a essa resposta lhe disse: "Então, produza."

Os textos do catálogo foram oferecidos pelos académicos, o catálogo e os seguros foram pagos por mecenas. Por isso, a presidente fala de "uma conjugação de vontades absolutamente rara" aquela que permitiu a realização da exposição.

E no final de março todas estas obras voltam a ser empacotadas? "Isso tem de perguntar ao ministro da Cultura, agora está nas mãos dele." Veremos se hoje, pelas 18.30, quando João Soares inaugurar a exposição, o otimismo de Natália é confirmado e a sua solução é acolhida: "A minha sugestão é que não se faça o Museu da Polícia no Convento de São Francisco, que é um corpo estranho no quarteirão, e que em vez disso se amplie a Academia. E quem vir esta exposição acho que vai concordar comigo. E, se tudo correr bem, o assunto resolve-se."

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