Beja é o eldorado para 28 mil imigrantes, mas tem mais pedras do que ouro
Quatro, seis ou mais pessoas por quarto, vivem em casas ou em contentores, e estes últimos nem sempre são os piores. A limpeza não abunda, ao contrário das moscas, o fogão tem camadas de sujidade. Quem trabalha espera voltar no dia seguinte; quem fica em casa anseia que lhe digam que vai trabalhar. Mão-de-obra barata e paga à hora mesmo que recebam à semana, à quinzena ou ao mês e, às vezes, com atrasos. Emigraram do Senegal, da Guiné-Conacri, do Paquistão, da Índia, do Nepal, etc., e dizem que, mesmo assim, vale a pena. Portugal acaba por ser dos poucos países europeus onde se podem legalizar. E, em Beja, faltam braços para a agricultura. Todos os dias chegam novos rostos. 28 mil estarão neste momento no distrito, grande parte na apanha da azeitona. Mas cada vez menos é trabalho sazonal.
Vinte e oito mil são as contas de Alberto Matos, dirigente da associação Solidariedade Imigrante (Solim) em Beja, o que representará o pico de imigrantes. Abunda a agricultura intensiva do olival - há sempre novas plantações - e as máquinas precisam de humanos para completar a colheita. Oito mil estarão legalizados, cinco mil em processo de legalização, os restantes deslocaram-se para a apanha da azeitona. Passam entre eles os contactos de quem contrata, a maioria intermediários, entre estes imigrantes da Roménia e do Paquistão.
Ascensão social, "não tenho nada contra, desde que cumpram as regras", diz Alberto Matos. E, em geral, pagam aos trabalhadores, o que pode variar são as condições, a prontidão no pagamento e os valores.
Até janeiro é a apanha da azeitona, antes foi a amêndoa, que é a seguir às vindimas. O morango é colhido todo o ano. E há muitas outras culturas e trabalhos: podar, plantar, curar, tratar. Os técnicos do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF) atribuem as novas culturas ao empreendimento de Alqueva, fazendo que haja uma permanente necessidade de mão-de-obra. "No passado predominavam as culturas de sequeiro (cereais) no verão e parte do outono e que ocupavam pouca mão-de-obra por serem muito mecanizadas, seguindo-se a azeitona mas em muito menor grau. Atualmente, além de as áreas agrícolas terem crescido exponencialmente (o melhor exemplo será o olival de regadio), as variedades aumentaram, existindo agora na região culturas de verão, primavera, outono e inverno."
Em consequência, "o Alentejo e o Ribatejo necessitam de grandes fluxos de trabalhadores indiferenciados, nomeadamente para suprir as carências de mão-de-obra local ou regional, em atividades de fruticultura, olivicultura, viticultura, horticultura herbácea e ornamental, tal como a produção de frutos vermelhos", explica o SEF.
Sunny, de 22 anos, e Jes, de 29, da Índia, chegaram a Portugal há dois meses. A empresa intermediária que os contratou dispensou-os há dois dias. Estão desiludidos. Quem bem conhece o terreno, Alberto, aconselha: "Procurem outra empresa, há muito trabalho e até quem dê melhores condições."
Mas mesmo os que se mantêm na empresa têm trabalho garantido. "Chegam e dizem: "Tu vais, tu ficas, tu não, tu sim, é complicado"", exemplifica Ahmad, 23 anos, do Paquistão, com um mestrado em Engenharia. "Claro que gostaria de ter um emprego de colarinho branco, estudei para isso, mas tenho de começar por algum lado." Chegou a Beja há 20 dias.
Sabir, 58 anos, também paquistanês, está no limite da esperança. Viveu quatro anos em Portugal, a trabalhar na agricultura em Vila Franca de Xira. Regressou ao Paquistão e não ficou. Voltou há sete meses, pelos filhos, para os trazer para Portugal. Já percebeu que irá demorar muito tempo e não tem trabalho regular. "Sempre espera, espera...estou muito desiludido."
Os quatro homens vivem numa casa térrea à entrada de Baleizão, em apartamentos com uma cozinha e quatro quartos, cada um com quatro camas, 80 euros mensais por pessoa. Preparam o almoço, no muro há roupa a secar. Pagam a comida, o gás, compram água engarrafada para fazer a comida. Dizem que a da rede não tem condições. Precisam de 250/300 euros por mês para as despesas, o problema é que nem sempre têm trabalho. Ficam contentes quando atingem os 500/600 euros mensais. O valor da mão-de-obra depende do trabalho, a apanha da azeitona é mais bem paga, e de quem os contrata. Ganham 3,5 a 4 euros à hora; 28, 30 ou 35 euros ao dia. Quem dorme na herdade desconta a renda.
A Herdade Vale da Rosa, em Ferreira do Alentejo, emprega diretamente e é o local onde querem ir parar. É uma empresa vinícola, agora na época de defeso. Dispensou os trabalhadores a quem entregou uma declaração para o Instituto do Emprego e Formação Profissional, o que não é comum, sublinha Alberto Matos. Mussad, 26 anos, do Senegal com passagens pela Guiné-Conacri, há dez meses em Portugal, é um dos dispensados. "Acabaram as vindimas, o patrão disse para voltarmos em dezembro." Terá de encontrar outro emprego entretanto. "É um bocado difícil, mas a esperança é a última a morrer." Encontrar trabalho não é a maior das dificuldades para Mussad. A maior dificuldade é encontrar casa, e já nem fala nos preços elevados. "Não é uma questão de ser caro, o problema é que as pessoas não alugam a imigrantes." Ele paga 150 euros por uma cama à entrada da cidade de Beja.
Seis contentores na herdade PaxBerry, empresa na zona do Alqueva especializada na produção de morango. Os trabalhadores são ali colocados por intermediários e nem todos pagam a horas. Um contentor serve de cozinha coletiva, outro tem as casas de banho, os restantes são quartos onde dormem seis pessoas em cada um, 24 no total, incluindo uma mulher. Trabalho das 08.00 às 17.00, com uma hora para almoço, descanso ao fim de semana. Há quem diga que o alojamento é gratuito, outros que lhes são descontados 55 euros mensais. Recebem cerca de 580 euros por mês.
"E essas não são as piores condições", diz Ana Soeiro, assistente social da Cáritas de Beja, com estudos e muitos anos a acompanhar os imigrantes. Para sublinhar: "A maior problemática a nível da imigração está relacionada com a questão da habitabilidade. Existem espaços com 200 imigrantes, em que cada um paga entre 100 a 150 euros mensais. Casas que são alugadas por 2000 a 2500 euros mensais. Vivem em condições sub-humanas."
Reconhece a dificuldade que estes estrangeiros têm em arrendar uma casa - os senhorios preferem alugá-las a estudantes -, também porque temem que as transformem em casernas. Uma habitação custa cerca de 400 euros mensais, em média, e um imigrante que a consiga acaba por lá meter muitos outros. Depois, há os senhorios menos escrupulosos que pretendem é faturar.
Ana Soeiro defende que o melhor é alojar estes trabalhadores nas herdades, como em Odemira. Mesmo que sejam em contentores e desde, claro, que tenham condições. Quem lá vive também prefere. "Não perdemos tempo nos transportes e temos mais garantias de ter trabalho."
A hora das refeições é quando as pessoas se juntam e se ligam mais às suas culturas. Paquistaneses, nepaleses e indianos preparam o chapati (pão) para fazer uma tortilha. Oferecem-nos o almoço, fazem questão que bebamos um sumo, já que o álcool não vai às suas mesas. São muçulmanos e hindus.
Muitos dizem ter experiência de agricultura, outros eram estudantes, alguns têm formação superior, como Babu, 39 anos, um economista da Índia. Estudavam os nepaleses Abhismek, 23 anos e há três meses em Portugal, Bishal, da mesma idade e que chegou há um ano, e Sudip, 24 anos, há oito no país. Abhismek e Bishal têm a marcação do SEF para fevereiro e maio, respetivamente. Sudip ainda não tratou dos papéis.
Respondem às perguntas, mas fazem muitas mais. Aproveitam a oportunidade de ter ali quem lhes pode explicar as leis do país e como devem regularizar-se. É sempre assim quando Alberto Matos se apresenta, até porque muitos já o conhecem. Ele aconselha: "Se o SEF vos vir, não fujam, neste momento estão a ajudar, querem que as pessoas estejam regularizadas."
As últimas alterações à lei dos estrangeiros (n.º 23/2007) datam de 2017, com entrada em vigor a 1 de outubro deste ano. Em geral, os imigrantes são regularizados ao abrigo do artigo 88 .º (89.º se trabalharem por conta própria), o que permite a concessão de autorização de residência a quem tenha um contrato de trabalho, entrada legalmente no país e esteja inscrito na Segurança Social. Não é obrigatório começar o processo apenas quando se tem toda a documentação, o imigrante pode, e deve, iniciá-lo logo que tenha trabalho. Chama-se a isso manifestação de interesse - pode ser feito pela internet ou pessoalmente - e que se pode iniciar com o passaporte, o número de contribuinte e o contrato de trabalho. Recentemente, um decreto regulamentar veio permitir a regularização de quem tenha um ano de descontos mesmo sem entrada legal. O comprovativo do início do processo evita a ordem de expulsão. Posteriormente, fará a entrega da restante documentação: atestado de residência, declaração da entidade patronal que garanta a sua subsistência, registo criminal do país de origem e de Portugal, número de Segurança Social. Além de uma foto.
O processo só fica concluído com a entrega de toda a documentação no SEF, que a valida e envia uma mensagem para se fazer o agendamento, mensagem esta que está a chegar dois meses depois. O agendamento está esgotado até ao final de junho e em todo o país, até porque este é feito a nível nacional.
Depois, a pessoa tem de entregar pessoalmente a documentação original, momento a partir do qual é feita a instrução do processo tendo em vista a concessão de autorização de residência. Significa isto que um imigrante precisa de mais de um ano para estar completamente regularizado.
Questionado pelo DN sobre a demora nos agendamentos, o SEF justifica com o elevado número de pedidos. Em junho foi lançado um novo sistema de agenda e, entre o dia 25 deste mês e 25 outubro, foram registados 138 603 agendamentos nos balcões de atendimento, destes 42% foram online e 20% referem-se a novos pedidos de residência. No mesmo período de 2016 houve 122 655 agendamentos.
São agendamentos para o atendimento presencial de todas as situações, embora uma grande parte sejam novos residentes. Alberto Matos estima, assim, "que 2019 e 2020 sejam anos em que se vai notar um grande acréscimo do número de imigrantes, o que já aconteceu em 2017 e se estima para 2018". Pessoas que este professor de Matemática (em licença) gosta de ajudar, com hora marcada para início da receção ao imigrante mas sem hora para terminar. Os dias de atendimento entram pelo dia seguinte, com boleia a quem mora no seu percurso para casa, em Serpa. Um início de processo demora uma hora.
É o caso de Ismail Dialla, 34 anos, da Índia, que chegou há oito meses a Portugal, depois de ter vivido em Dakar. Trabalha na apanha a azeitona. Acompanhada do filho de 4 anos, prepara a sua manifestação de interesse, ao mesmo tempo que ajuda outros compatriotas. Parece feliz. "Não tive dificuldade em arranjar trabalho e gosto da agricultura, trabalho ao ar livre."
Recentemente, surgiu outro fenómeno. São os imigrantes vindos de Itália, com a entrada do governo de Giuseppe Conte, com um discurso anti-imigração. Muita gente do Senegal, também da Guiné-Bissau e da Guiné-Conacri. Abdoulaye, 27 anos, do Senegal, marinheiro, vivia em Itália desde finais de 1999, primeiro em Palermo, depois em Nápoles e Milão, mas não conseguiu regularizar-se. Está há quatro meses em Portugal. "Há muita gente a deixar a Itália. Aqui tenho trabalho, menos quando chove", diz. Partilha uma casa com seis quartos, ele divide o seu com outros dois imigrantes e custa 100 euros a cada um. Apanhou amêndoa, podou, agora está na azeitona. No último mês recebeu 546 euros, por 18 dias e uma hora e meia de trabalho. Guardou 20 euros para se fazer sócio da Solim.
(artigo publicado originalmente a 9 de dezembro de 2018)