Bebidas espirituosas não voltam a vendas pré-pandemia antes de 2024
A pandemia afetou "severamente" as vendas das bebidas alcoólicas no canal horeca, que engloba a hotelaria, restauração, bares e cafés, entre outros, e serão precisos mais de cinco anos para recuperar as perdas de 2020. Um estudo da EY para a Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas (ANEBE) estima que, em 2024, as vendas do setor estarão, ainda, "ligeiramente abaixo" do registado em 2019, não atingindo a fasquia dos 20 milhões de litros então vendidos.
Os dados disponíveis mostram que, nos primeiros oito meses de 2020, e apesar de alguma animação nos meses de verão, após o fim do confinamento, em maio, o volume total de vendas do setor caiu 14%. Uma perfomance que esconde duas realidades distintas, com uma quebra de 35% na restauração e similares e um crescimento de 6% no consumo em casa. Rmbora não haja, ainda, dados definitivos, o estudo estima que, no global do ano, as vendas no canal horeca tenham caído "perto de 70%", com o segmento do consumo no lar a crescer 8%. "O que é significativo", destacou Amílcar Nunes, associate partner da consultora EY, na apresentação do estudo, dado que este valor representa "um crescimento de 6 a 8 vezes mais" do que indicavam as previsões feitas em maio de 2019 para este segmento de mercado em 2020.
O estudo Euromonitor - Spirits in Portugal 2020, da EY, a que o Dinheiro Vivo teve acesso, fala num setor "severamente afetado"pelas medidas de combate à pandemia, designadamente a falta de turismo, a proibição do consumo de bebidas alcoólicas na rua e a sua venda no retalho alimentar depois das 20 horas. E o secretário-geral da ANEBE admite que teme que o segundo confinamento geral do país tenha tido consequências "ainda piores" do que as de 2020. "O nosso principal ponto de venda, os bares e discotecas, estão fechados há um ano", lembra João Vargas.
A ANEBE conta com 39 associados, responsáveis por um volume de negócios de 679 milhões de euros em 2019 e por seis mil postos de trabalho diretos e indiretos. Além de três grandes multinacionais e da portuguesa J. Carranca, produtora do Licor Beirão, o universo dos associados da ANEBE é composto, essencialmente, por micro e pequenas e médias empresas, a "maioria das quais" estão instaladas no interior do país e sem presença na grande distribuição. A associação teme pela sua sobrevivência. Duas já encerraram, admite João Vargas, sem, no entanto, indicar quais.
Para a ANEBE, a resiliência do setor em 2020 só foi possível graças à manutenção do congelamento do Imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA), uma medida que o governo implementou em 2019, assegurando, mesmo assim, um aumento de receita fiscal para o Estado de 7,22% correspondente a 4,84 milhões de euros cobrados a mais do que no ano anterior. A "diferença avassaladora" em termos fiscais entre Portugal é Espanha é outro dos temas tratado no estudo da EY. Em causa estão "mais de 400 euros de diferença por hectolitro" entre os dois países: o IABA em Espanha é de 958,94 euros por hectolitro, em Portugal é de 1.386,93 euros por hectolitro.
A questão fiscal é uma das grandes preocupações do setor, que pede uma redução do IVA para as bebidas na restauração, após a pandemia, e estímulos ao consumo, a exemplo do que já aconteceu em países como a Alemanha e a Dinamarca. O IVAucher só por si, considera João Vargas, "pode não ter o efeito desejado". O setor reclama, ainda, a definição de um plano de recuperação para o setor da hospitalidade e para as suas cadeias de valor.
Sobre o futuro, Amílcar Nunes da EY é claro: "A crise da covid-19 deverá conduzir a mudanças duradouras no comportamento dos consumidores, com um aumento da relevância dos canais off-trade (a chamada compra para casa)e do comércio eletrónico". Já o declínio do rendimento disponível, o aumento do desemprego, a incerteza económica e a quebra acentuada dos fluxos turísticos, que "demorarão a recuperar", irão continuar a penalizar o consumo on-trade, ou seja, na hotelaria e restauração.
No final da apresentação do estudo, que decorreu online, e que contou com uma intervenção do secretário de Estado da Economia, João Neves, que reconheceu a "capacidade de resiliência" do setor e antecipou "alguma recuperação" para o 2º trimestre do ano, a secretária-geral da AHRESP - Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal falou em "dados dramáticos" no setor em fevereiro de 2021 e exigiu medidas concretas por parte do Governo. "As medidas continuam a ser anunciadas, mas as empresas continuam a não ser apoiadas. Precisamos que os apoios cheguem às empresas. Já não basta a preocupação, a boa vontade, a cooperação, precisamos de ação e já", frisou Ana Jacinto.
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