PSP em guerra contra as armas: zero novas licenças em 2018
O Estado assume a defesa dos cidadãos - é este o princípio que inspira a direção da PSP quanto às armas de defesa pessoal, cujo número de novas licenças está em queda abrupta. Em 2018 não foi emitida nenhuma autorização para este tipo de armas (revólveres e pistolas), tendo apenas sido renovadas 190 antigas licenças.
Mesmo este número de renovações no ano passado foi o mais reduzido de sempre. Em 2017, por exemplo, foram renovadas 409 licenças de defesa pessoal a civis, o que já foi um sinal desta queda em relação ao ano anterior, 2016, em que foram renovadas 2873 licenças.
As licenças são válidas por cinco anos e neste momento estão ativas cerca de 7700 para armas de defesa pessoal.
Mas, no que diz respeito às licenças de uso e porte de arma de defesa para o comum dos cidadãos - calibres mais baixos, como as pistolas 6.35 mm e os revólveres .32 -, a tendência é mesmo para reduzi-las a mínimos históricos.
"O número destas licenças [designadas tecnicamente de B1] vai reduzir drasticamente por força da opção do diretor nacional da PSP, em linha com o que é praticado na União Europeia [UE]", sublinha o superintendente Pedro Moura, diretor do Departamento de Armas e Explosivos da PSP. E como? "No momento da renovação, estão a ser verificados requisitos à luz de novos critérios, sendo apenas aceite como justificação o risco para a vida e integridade física", responde este oficial.
O número de armas novas para esta classe também tem vindo a diminuir nos últimos quatro anos: 642 em 2015 e 496 em 2018. Apenas aumentaram as licenças para cartões europeus (utilizados, por exemplo, em competições desportivas ou em caça nos Estados membros da União Europeia) e as transmissões de propriedade.
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"Pretendemos colocar Portugal ao nível das melhores práticas europeias, em que na maioria dos países não existe esta licença de defesa pessoal. O Estado assume que tem todas as condições para a defesa dos seus cidadãos. O mesmo acontece em Portugal e à PSP, de acordo com a sua missão, legalmente definida, compete-lhe assegurar a defesa dos cidadãos", sublinha o superintendente Pedro Moura, diretor do Departamento de Armas e Explosivos (DAE) da PSP.
Este oficial recorda "um passado histórico, cultural e social, que desde 1949 permitiu ao Estado, pelo menos até 2006 (data da publicação do novo regime jurídico das armas e munições) atribuir estas licenças com muita facilidade - o que originou um número exagerado de cidadãos que tinham armas de defesa, com todos os riscos associados de acidente, furtos, homicídios, entre outros".
De acordo com o balanço feito pela DAE, em 2018 deram entrada 103 pedidos novos paras as designadas licenças B1 - de defesa pessoal. Um já foi arquivado e os restantes estão em análise. Quanto a renovações, entraram 827 pedidos e apenas foram deferidos até agora 14, estando a maioria ainda a ser analisada.
Os 14 candidatos que viram o seu pedido deferido estão agendados para um exame, em março - que vai validar o que aprenderam no curso de formação obrigatório. Estes cursos são da responsabilidade de uma entidade formadora, certificada pela PSP, cujos exames são realizados em centros desta polícia - 25 salas em todo o país, uma delas na sede da DAE em Lisboa.
A pedra-de-toque para a diminuição drástica das novas licenças foi mesmo a orientação do diretor nacional, superintendente-chefe Luís Farinha, para os agentes do DAE apertarem os critérios. Uma das medidas que estiveram na génese da nova política da PSP foi o facto de, desde 2017, a competência para tratar destes processos ter sido centralizada na DAE - até aí esse poder era dos comandantes distritais, tendo como consequência que houvesse critérios diferentes.
Com este novo procedimento, "os critérios passam por atender a motivos que têm que ver com o risco para a vida e integridade física dos requerentes, os quais têm de comprovar a existência de um perigo para a sua vida", deixando de ser, "por regra, atendidos motivos profissionais ou de defesa da propriedade", assinala Pedro Moura.
"Hoje em dia, a realidade é muito diferente da vivida há 20 ou 30 anos, quando um cidadão requeria uma licença porque transportava muito dinheiro, ou para defesa da sua propriedade. Hoje em dia, o pagamento eletrónico com cartões está massificado, as transferências eletrónicas estão em maioria e já ninguém faz pagamentos de salários em dinheiro dentro de envelopes ou leva cheques e dinheiro ao final do dia para casa. E este era maioritariamente o motivo pelo qual as pessoas pediam a licença B1 (por movimentarem somas avultadas de dinheiro)", sublinha ainda o superintendente.
Situação idêntica se passa em relação ao argumento de "defesa da propriedade", dado que "a realidade é igualmente diferente da de há 20 ou 30 anos". Hoje em dia, assevera Pedro Moura, "há empresas de segurança, há CCTV, sistemas de proteção de residências ligados à internet e nos smartphones - pelo que não faz sentido, exceto nos lugares mais ermos, que se atribua uma licença para alguém defender uma residência".
Na verdade, de acordo com um trabalho académico, de 2017, da intendente Florbela Carrilho, por ocasião do Curso de Direção e Estratégia Policial, sobre "As armas de fogo em Portugal: onde estão e quem as tem", apenas em 27% das licenças válidas os requerentes apresentaram como "pretensão de aquisição de arma" a "proteção contra a criminalidade".
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O diretor da DAE assinala que "existe ainda um número significativo de requerentes a quem lhes foi atribuída uma licença devido à profissão exercida e que ou mudaram de profissão ou se reformaram e, por tal motivo, não devem continuar a ser titulares de uma licença, porquanto o risco inerente à profissão deixou de existir".
Assim, assinala a PSP, "estamos no momento da renovação das licenças, que têm a validade de cinco anos, a aplicar estes critérios e por isso o número muito baixo de licenças renovadas em 2018, comparativamente com anos anteriores".
No entanto, assinala o diretor da DAE, há exceções: "Nos critérios definimos, para já, quatro profissões em que continuamos a renovar as licenças: guardas-noturnos, policias municipais, taxistas e ourives. Estas quatro profissões têm um risco associado, que para a PSP justifica a renovação de licença." Estas pessoas estão, de qualquer forma, a ser obrigadas a frequentar os cursos de formação.
"O objetivo global é ter mesmo menos pessoas com acesso a armas de defesa, a não ser aquelas que efetivamente demonstrem carecer das mesmas, por motivos de risco para a vida e integridade física e que possam ter um treino mais frequente", conclui Pedro Moura.