Balsemão avisa: Democracia corre o risco de deixar de ser "viva e atuante"
Um sério aviso à navegação: a democracia corre riscos. Francisco Pinto Balsemão aproveitou ontem a homenagem que o primeiro-ministro lhe fez em S. Bento, por ocasião do 40º aniversário do VII Governo Constitucional, para dizer que "como estamos, com a democracia que temos no presente, não conseguiremos transpô-la, adaptá-la, mantê-la viva e atuante no futuro": "O que se nota [...] é uma falta de crença na representatividade do sistema, incluindo os partidos e as próprias eleições. Mas, até agora, não surge alternativa."
Balsemão, que, liderou o VII Governo Constitucional (9 de janeiro de 1981 a 4 de setembro do mesmo) e logo a seguir o VIII (4 de setembro de 1981 a 9 de junho de 1983), pensava, em concreto, nas "eternas e suicidariamente adiadas revisões da lei eleitoral portuguesa".
Para o patrão do Expresso e da SIC, as ameaças à democracia tornam "a dimensão ética cada vez mais importante", bem como os valores em que considera assentar a social-democracia: "liberdade, igualdade e solidariedade". "A corrupção está cada vez mais presente na avaliação do sistema. Uma corrupção que, em muitos casos, o próprio sistema oculta e até protege. Por que razão ainda existem tantos paraísos fiscais?"
Na sua intervenção, o militante número 1 do PSD centrou-se em duas causas que têm sido centrais no seu pensamento: a defesa do papel "cada vez mais relevante" dos meios de comunicação social e a necessidade de encontrar "caminhos novos" para o exercício da democracia. Entre os alertas que deixou sobre o funcionamento da democracia, Pinto Balsemão incluiu as ameaças à liberdade e privacidade "em nome da segurança" e o surgimento de "novos poderes", não eleitos, como os mercados ou os grande detentores de dados.
"Por outro lado - acrescentou - , e mesmo sem sairmos da Europa, é visível o êxito de partidos recém-nascidos (ou renascidos) que reivindicam o nacionalismo, a discriminação dos estrangeiros, o racismo puro e duro", alertou ainda, deixando também aqui uma pergunta no ar: "Podemos ser tolerantes com os intolerantes?"
Na cerimónia discursou ainda João Bosco Mota Amaral, líder fundador da autonomia açoriana, ex-presidente da AR e companheiro de Balsemão na "Ala Liberal" (1972) e depois na fundação do PPD (1974). Mota Amaral recordou que, enquanto chefe do PSD e chefe de dois governos, Balsemão foi vítima do "mais intenso e menos fundamentado" ataque ad hominem e de "traições mesquinhas" dentro do partido que fundou. "A maior dificuldade à normal governação vinha de dentro das próprias fileiras da AD e do PSD. Francisco Pinto Balsemão defrontou-se com uma permanente contestação de grupos organizados, comprovadamente minoritários, mas nem por isso desistindo de o desacreditar perante a opinião pública."
O antigo presidente do Parlamento considerou "admirável" que Balsemão tenha tido capacidade para liderar dois Governos, mesmo quando era "vítima de inqualificáveis procedimentos de colaboradores próximos, por ele próprio qualificados como traiçoeiros". Mas por isso Balsemão está hoje em condições de "compreender a dimensão trágica da ação política, os confrontos pessoais, os belos ideais frustrados, os desgostos, as traições mesquinhas". E "é esta dura carga que tempera a virtude e enriquece a vida de quem à política com "P" grande se devota. Quem se fica pelos aspetos lúdicos que a ação política também contém e se limita a contabilizar vitórias não percebe nada disso."
A cerimónia foi encerrada pelo primeiro-ministro, que salientou o papel de Balsemão na "libertação da sociedade civil", visando especialmente a criação de uma "plena" democracia representativa em Portugal. "Podemos olhar agora com distanciamento para o essencial que ficou: Uma democracia consolidada, civil, uma correta articulação entre o poder civil e o poder militar, a integração europeia prosseguida, um novo quadro do Direito Penal próprio de uma sociedade democrática e projetos de desenvolvimento fundamentais."
Como previsto, o Presidente da República compareceu na cerimónia mas sem intervir. Aos jornalistas, Balsemão recordaria depois que uma vez acolheu Marcelo num Natal em S. Bento quando este não tinha ninguém com quem passar a consoada. Questionado sobre se o voltaria a fazer, o fundador do Expresso foi categórico: "Se ele estivesse sozinho, com certeza."