Bairros do Porto. "O tráfico de droga passa de pais para filhos"
Já eram bairros referenciados com o tráfico de droga e, para moradores do Bairro Dr. Nuno Pinheiro Torres e da Pasteleira Nova, não é a intervenção policial que levou à detenção de nove pessoas e à apreensão de cocaína, heroína, liamba e haxixe, além de armas de fogo, que irá mudar o cenário, apesar de a verem como positiva. Os problemas ligados ao crime acentuaram-se com a transferência do tráfico do Bairro do Aleixo, o anterior centro de toxicodependência, em processo de demolição e situado a curta distância, para estes aglomerados habitacionais. Ações policiais são boas mas dizem já terem visto muitas. É preciso mais, reclamam os moradores. Os nove detidos, seis homens e três mulheres, na ação da PSP foram já libertados por um juiz, com oito deles a terem de se apresentar periodicamente às autoridades.
"Não chega fazer estas operações policiais. É preciso dar seguimento a outro nível. Amanhã isto recomeça, volta o tráfico", disse ao DN Aníbal Rodrigues, presidente da Associação de Moradores da Pasteleira Nova, um agrupamento habitacional com mais de 900 pessoas. "Estas pessoas precisam de ser acompanhadas. Só com técnicos a atuarem junto das pessoas, das famílias, é que se pode mudar. Não é só a polícia que deve atuar, a câmara tem de acompanhar de perto", acrescenta.
Pretende dizer que o fenómeno do tráfico de droga está de tal forma enraizado em certas famílias que não é a repressão policial que o trava. "Como se vê da maioria dos processos já existentes, isto são famílias. O tráfico passa de geração em geração, mete os avós, os pais, os filhos. E pior: alastra a outros jovens. É do tipo: 'Quando não consegues vencê-los junta-te a eles'. Veem o amigo que andou com eles na escola com boas roupas, carro novo, e deixam-se levar para o tráfico. É isto que deve ser travado", explica o dirigente da associação de moradores. "É delicado", admite, já que são moradores quem faz o tráfico.
Na Pasteleira Nova, assegura, "a maioria dos que fazem o tráfico não era daqui do bairro, vieram para cá". E lembra que quando se mudou para ali há quase 20 anos - o bairro nasceu em 2001 - as promessas eram outras. "Diziam que era tudo famílias selecionadas, que não podiam vir quem estivesse já referenciado por tráfico de droga. Rui Rio quis acabar com o bairro de São João de Deus e vieram alguns moradores dali. O tráfico começou. Depois foi a demolição do Aleixo e a situação agravou-se. Acabaram a distribuir moradores pelos outros bairros, o tráfico também se mudou." O bairro do Aleixo era considerado o supermercado da droga no Porto, até se iniciar a sua demolição, em 2011, com Rui Rio, o que Rui Moreira prosseguiu.
A poucos metros, no Bairro Dr. Nuno Pinheiro Torres, onde vivem cerca de 1100 pessoas, comenta-se a situação de forma idêntica. Uma moradora diz que já viu "muitas operações policiais nos últimos anos, apesar de estar ter sido das maiores". E, questiona, "acabou o tráfico?" Teme que tudo volte ao mesmo, até à próxima intervenção das autoridades.
Estes bairros situam-se a menos de um quilómetro do Aleixo. Se a Pasteleira Nova nasceu em 2001, como uma extensão do bairro da Pasteleira, a escassos metros já existia o Pinheiro Torres, construído em 1970 e requalificado em 2010. É constituído por 428 fogos, distribuídos por 11 blocos, segundo a Domus Social, empresa municipal de habitação. Ficam muito perto de zonas nobres da cidade, como Serralves ou a Foz.
Em ambos os bairros, que tal como os de Lordelo e de Pasteleira Velha foram alvos da operação da PSP que envolveu 150 agentes, as pessoas dizem que a insegurança não se deve a assaltos. "Isso não há. As pessoas temem é represálias. Não se pode dizer nada, há medo de andar na rua", refere Aníbal Rodrigues. Em Pinheiro Torres, um elemento de uma instituição social que trabalha no terreno que idosos e pessoas carenciadas aponta que "é mais a decadência que trazem, as pessoas que o tráfico arrasta para o bairro, com o consumo à vista de todos". Neste caso da instituição social, não há problemas. "Até nos ajudam, sabem que estamos aqui para apoiar as pessoas do bairro. Mas não haja dúvidas que se sente a insegurança, nunca se está à vontade."
No fundo, estes bairros fazem agora o papel do Aleixo, com o tráfico a fazer-se às claras. O consumo é um motivo de preocupação já que é feito em edifícios abandonados ou em barracas instaladas em terrenos nas imediações dos bairros. E trata-se de drogas duras, injetadas. O Porto já aprovou a criação de salas de consumo assistido, com duas propostas a estarem a ser avaliadas, e sua implementação no terreno pode correr nos próximos meses.
Para muitos moradores o papel da polícia é essencial. "Deviam era estar cá sempre", comenta uma mulher. O receio de ver os filhos a caírem no mundo do tráfico é grande. Por isso, os órgãos municipais do Porto, Câmara e Assembleia, já ouviram em reuniões as queixas de habitantes destes bairros, fartos do clima de insegurança.
Rui Moreira reagiu de imediato após a notícia da operação da PSP. No site da Câmara, www.porto.com, foi logo publicada uma nota ainda a ação policial decorria. Referindo-se a Pinheiro Torres e Pasteleira Nova, a autarquia referiu que "aqueles bairros ficaram sob vigilância mais apertada desde a demolição do Bairro do Aleixo, no início do ano, suspeitando-se que ali se concentrasse grande volume de tráfico de drogas. Além disso, a sinalização de uso de armas de fogo através de um vídeo difundido nas redes sociais poderá também ter aprofundado a necessidade de intervenção policial". O vídeo referido é de um caso registado no mês passado em que na Pasteleira Nova foram disparados tiros na rua, tendo o incidente sido filmado e difundido.
Mais tarde, foi mesmo emitido um comunicado, em que a Câmara se congratulava com a operação. "Esta intervenção das forças de segurança vem dar resposta aos pedidos, feitos há muito, pela autarquia junto da tutela e da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública. Em pronta e permanente colaboração com as autoridades, a Câmara do Porto continuará empenhada numa política de firme atuação que passa, nomeadamente, pelo despejo de inquilinos de habitações sociais que venham a ser condenados, em primeira instância, pela prática de tráfico de droga nestas habitações".
O presidente da Câmara partilhou na sua página de Facebook a nota, o que motivou imensos comentários de munícipes, em larga maioria a apoiar a operação policial. O intendente Rui Mendes, responsável da Divisão de Investigação Criminal da PSP do Porto, no balanço que fez da operação, disse que a PSP agiu após uma longa investigação. "Estamos a falar numa investigação com alguns meses. Este processo foi construído com base num fenómeno de tráfico de estupefacientes. Não incide sobre a investigação desses incidentes", sublinhou. O responsável da PSP adiantou que, após 26 buscas, houve nove detenções, apreensão de armas de uma "quantidade substancial" de drogas (cocaína, heroína, liamba e haxixe) e 10 mil euros.
No empenho municipal de firmeza no combate ao tráfico, Rui Moreira já equacionou a instalação de videovigilância nestes bairros. A associação de moradores da Pasteleira Nova diz que não é uma medida eficaz. "A videovigilância não resolve nada. Quem pratica o tráfico, não tem medo disso, já fazem tudo às claras", diz Aníbal Rodrigues, para quem a intervenção tem de ser a outro nível junto das famílias. "Hoje em dia, com os apoios sociais que existem, ninguém precisa de se meter nisto para viver. É necessário evitar que haja continuidade no tráfico."
O morador faz questão de realçar que a associação não tem o tráfico e a toxicodependência como matrizes da sua atuação. "Trabalhamos para os moradores, queremos abrir mais o bairro. Isto precisa de obras, está esquecido, faltam espaços verdes e equipamentos. As pessoas sentem-se esquecidas."
A CDU também reagiu considerando positiva a ação da PSP. Contudo, a força política aponta que urge "um verdadeiro programa de Emergência Social", lembrando que "também no bairro do Aleixo se fizeram inúmeras ações policiais deste género, sem que o problema tivesse sido resolvido". Além de intervenções multidisciplinares, a CDU defende que se deve dar "prioridade à reabilitação de equipamentos e ao arranjo urbanístico das zonas mais fragilizadas, onde o medo se está a instalar, para que se recupere a confiança dos moradores e estes não se sintam abandonados, nem se ceda o território às atividades ilícitas e aos seus promotores".
Sendo verdade que os bairros Pinheiro Torres e Pasteleira Nova serão hoje os locais onde se trafica e consome mais droga, a cidade do Porto tem outros pontos negros a este nível. O centro histórico tem ainda zonas de tráfico e de consumo e, na zona ocidental, os bairros do Viso e de Francos são igualmente áreas problemáticas com moradores também queixarem-se do movimento de pessoas em busca de droga e do consumo à vista de todos. Quem passa de metro junto a Francos ou Viso, vê com frequência pessoas a consumirem drogas junto a edifícios abandonados.