Bachelet despede-se da ONU com relatório a condenar a China
Michelle Bachelet cumpriu a promessa reiterada nos últimos dias e publicou o relatório sobre a região de Xinjiang, na China. Um documento que dá como certa a existência de "graves violações de direitos humanos no contexto da aplicação das estratégias governamentais de contraterrorismo e contra o extremismo" sobre os uigures e outras minorias de fé muçulmana. Para Pequim, o escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos "descambou para se tornar num delinquente e cúmplice dos EUA e do Ocidente".
"As alegações de padrão de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção, são credíveis, tal como as alegações de incidentes individuais de violência sexual e baseada no género", afirma o relatório. Ativistas dos direitos humanos denunciaram ao longo de anos que mais de um milhão de pessoas foi vítima de detenção nos "campos de reeducação", mas a análise conclui apenas que o sistema funcionava em "larga escala" em toda a região, sem conseguir confirmar o número, embora indicando que, pelo menos entre 2017 e 2019, "foi muito significativo".
A ex-presidente do Chile revelou na semana passada que o seu gabinete estava a ser alvo de "pressões tremendas" sobre o relatório em questão, quer para publicar quer para não publicar. Há pouco mais de um mês, Bachelet negou ter recebido uma carta das autoridades chinesas a pedir para não divulgar o documento. Mas, na última conferência de imprensa enquanto alta comissária para os direitos humanos, disse que recebeu "imensas cartas" todos os dias e que, entre elas, estava uma da China, subscrita por 40 países, na qual pedia para que o relatório não visse a luz.
"A politização destas graves questões de direitos humanos por parte de alguns estados não ajudou", lamentou Bachelet num email enviado à AFP, quando o relatório foi publicado, 13 minutos antes de o seu mandato expirar.
Iniciado em 1 de setembro de 2018, o consulado de Bachelet acabou por ficar marcado pela questão uigure. Nos primeiros dias em Genebra instou Pequim a deixar entrar observadores naquela província, tendo em conta os relatos de desaparecimento de pessoas e da criação de "campos de reeducação".
A alta comissária - que foi presa e torturada pelo regime fascista de Pinochet - acabou por visitar Xinjiang em maio.
Porém, a viagem resultou num golpe promocional comunista, sem a oportunidade de a alta comissária visitar prisões nem de se movimentar de forma livre. As organizações de defesa dos direitos humanos, que alertavam há anos para os crimes, suspeitando inclusive de genocídio, criticaram Bachelet. Três semanas depois, a alta comissária anunciou que não iria continuar no cargo.
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