B de Brasil às avessas com RICS
Ao votar favoravelmente a resolução do Conselho de Segurança da ONU que exigiu a retirada russa da Ucrânia, o Brasil deu um forte sinal de alinhamento com o Ocidente que contrasta com a prática de tempos recentes e não estou a falar da presidência de Jair Bolsonaro, que até fez uma controversa visita a Moscovo em vésperas do início da guerra. Em 2014, momento da anexação da Crimeia pelos russos, era então Dilma Rousseff presidente, a diplomacia brasileira recebeu indicações para não ser demasiado dura, tendo em conta os interesses económicos mútuos, ou seja, a exportação de carne e a importação de fertilizantes.
Desta vez, a posição do Brasil foi mais firme em relação às ações de Vladimir Putin e sobretudo diferenciou-se muito da dos outros BRIC, como se o B da sigla inventada em 2001 por um economista da Goldman Sachs para agregar as quatro grandes potências emergentes se estivesse a soltar.
Espécie de aliança geopolítica, os BRIC formalizaram-se através de uma primeira cimeira em 2009 e em 2011 até ganharam um S com o convite à África do Sul para se juntar, de modo a incluir o continente africano na tal aliança destinada a defender uma ordem mundial menos submetida à América.
Ora, na votação no Conselho de Segurança, a Rússia exerceu o direito de veto, a China absteve-se e a Índia, membro não permanente tal como o Brasil, absteve-se também. O Brasil, por seu lado, votou ao lado dos Estados Unidos, do Reino Unido e de França, pontas-de-lança do bloco ocidental. Na votação seguinte sobre a invasão da Ucrânia, na reunião extraordinária da Assembleia Geral, o sentido de voto dos vários BRICS repetiu-se, sendo que a África do Sul, agora também chamada a pronunciar-se, optou pela abstenção, deixando de novo o Brasil isolado no sim - mas um isolamento muito especial, pois foi partilhado com mais 140 membros dos 193 que integram as Nações Unidas. Mesmo assim, a Rússia não incluiu o Brasil na sua recém-lista de países hostis.
País decisivo da construção da ONU em 1945, pela dimensão e por ter sido o único da América Latina que enviou tropas para a Europa para combaterem o nazismo, o Brasil é recordista nas eleições para membro não permanente do Conselho de Segurança, mas na verdade merecia ter um assento permanente, algo que reivindica e que, sublinhe-se, Portugal apoia. Com uma diplomacia de grande qualidade, e desde há um ano com um diplomata de carreira, Carlos Alberto França, como ministro das Relações Exteriores, o Brasil não tem deixado, porém, de tentar manter pontes com a Rússia, e o próprio representante do país na ONU, Ronaldo Costa Filho, depois de votar contra a guerra, não se eximiu a declarar-se contra a amplitude das sanções ocidentais, por temer que tenham um impacto desastroso na economia mundial. Outras vozes no Brasil alertaram para os riscos para a segurança alimentar mundial, um pouco em linha com as razões para a atitude moderada com a Rússia no tempo de Dilma.
Neste contexto, e consoante o que se valorize deste saltar do B dos BRICS, o Brasil poderia ser um mediador entre a Rússia e a Ucrânia talvez mais efetivo do que a China, grande candidato ao papel, a Índia, a Turquia ou Israel, só para relembrar alguns dos países que têm sido referidos. Bolsonaro, pouco dado a ponderação diplomática das palavras e que foi um admirador confesso do americano Donald Trump mas ainda há pouco elogiava o russo Putin, ajuda nisso? É discutível, mas desaproveitar o Brasil é pena, pois o gigante lusófono tem créditos até pelo seu desempenho na ONU que podiam ser muito úteis ao mundo nesta crise.