Avaliações deixam sargentos da Força Aérea em pé de guerra
Um sargento-ajudante ultrapassou vários militares desse posto, incluindo os respetivos chefes e avaliadores da sua especialidade, para promoção a sargento-chefe - apesar de ter estado de baixa nos últimos três anos, revelaram diferentes fontes do ramo ao DN.
Nem esse nem os outros militares têm responsabilidade no resultado, que, a ser validado, o fará "ultrapassar muitos" dos seus pares - muitos deles com 16 anos no posto de primeiro-sargento e dez no de ajudante, onde deverão terminar a carreia militar.
Esse foi um dos vários exemplos apresentados como resultado das distorções permitidas pelo novo sistema de avaliação dos militares das Forças Armadas e que, no caso dos sargentos-ajudantes da Força Aérea, levou alguns dos preteridos a deixar ou a pedir para deixar os cargos de chefia que exercem, incluindo em áreas operacionais.
"Se não sirvo para [sargento-]chefe não sirvo para chefiar (...), arranje-me outro lugar", desabafou um dos visados, ao saber que tinha ficado para trás. O regulamento, aprovado em 2016 pelo então ministro Azeredo Lopes, diz no seu preâmbulo que, "necessariamente, a avaliação dos militares das Forças Armadas deverá ser efetuada com base em critérios objetivos relativamente ao exercício de todas as suas atividades e funções".
Porém, um dos problemas reside no peso que a ida para missões externas (há especialidades com poucas hipóteses) ou os louvores têm na nota - como os recebidos por um sargento-ajudante colocado no gabinete de um general e que, por isso, ultrapassou aqueles que continuaram no serviço e eram mais antigos.
"Há um profundo descontentamento com algo que mina a solidariedade e coesão entre os militares, colocando uns a olhar de lado para outros", assegurou ao DN o único candidato à presidência da Associação Nacional de Sargentos (ANS) e que é eleito neste sábado, o sargento-mor na reserva Lima Coelho.
Militar da Força Aérea, cujo regresso à vida associativa foi saudado nesta semana por deputados de esquerda e de direita na Comissão de Defesa, Lima Coelho garantiu ainda que esse mal-estar vai alargar-se aos outros postos da categoria de sargentos quando o sistema de avaliação lhes foi aplicado.
As bases do Montijo (esquadras de transporte) e de Monte Real (caças F-16) são duas das unidades operacionais onde houve sargentos-ajudantes a protestar contra os resultados das avaliações - um regime que já tinha levado a ANS a entregar uma petição com milhares de assinaturas ao Parlamento para suspender a sua implementação.
Em outubro passado, a Comissão de Defesa aceitou por unanimidade analisar as reservas dos militares sobre a matéria. Embora a responsabilidade pela regulamentação do regime de avaliações seja do governo, o próprio PS afirmou que a Assembleia da República "tem possibilidade de mexer no Estatuto dos Militares das Forças Armadas, a partir do qual o governo seria forçado" a rever as regras.
A Força Aérea não respondeu às questões do DN sobre o assunto: confirmar a existência de distorções no ordenamento dos sargentos-ajudantes avaliados, perceber se esses alegados casos justificam fazer correções ao sistema de avaliação, se houve muitos ou poucos desses militares a requerer a sua substituição nas funções de chefia como resultado das avaliações ou se há o risco de muitos deles passarem à reserva devido à insatisfação existente.
Lima Coelho, após uma "longa reflexão" com sargentos ligados ao universo associativo, aceitou candidatar-se mais uma vez à presidência da ANS em eleições que decorrem este sábado na Casa do Alentejo, em Lisboa.
"Quero ajudar os mais novos, com a minha experiência e conhecimento, a afirmar a ANS quando celebra 30 anos", explicou o sargento-mor na reserva ao DN. Trata-se de "impulsionar sangue novo, novas equipas" de sargentos - mostrando-lhes o próprio exemplo de que "os processos disciplinares não inibem de chegar ao topo".
O facto de passar à reforma dentro de dois anos leva-o a assumir que este será o último mandato à frente da ANS, depois de ter sido presidente da associação durante 15 anos consecutivos entre 2000 e 2015. "A reforma dificulta ainda mais a ligação" às Forças Armadas, até porque o próprio pagamento do salário deixa nessa altura de ser feito pelos ramos, reconheceu António Lima Coelho.
A insatisfação dos sargentos, que tenderá a alargar-se às categorias de oficiais e praças caso se mantenha inalterado o regulamento de avaliação do mérito dos militares das Forças Armadas, será uma das batatas quentes que o tenente-general Joaquim Borrego vai ter nas mãos quando assumir, dentro de três semanas, o cargo de chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA).
O atual comandante aéreo foi escolhido esta semana pelo Governo para suceder ao general Manuel Rolo, embora a sua nomeação seja uma competência do Presidente da República (o qual terá sido ouvido previamente, como é regra nestas situações).
Esta escolha faz com que o futuro general Joaquim Borrego seja o sucessor do almirante Silva Ribeiro como chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) em 2021 ou 2023, se ele for reconduzido no cargo rotativo entre os três ramos e onde cabe à Força Aérea indicar o próximo titular.
Além dos problemas de pessoal, nos quais se incluem as promoções e as progressões na carreira, o novo CEMFA vai ter de gerir as mudanças impostas pela abertura do Montijo à aviação civil.