Aumento das qualificações e produtividade pode ajudar a fintar desafios da economia

Trabalhadores e gestores com mais formação são o primeiro passo para construir empresas mais resilientes e com maior valor acrescentado. Transição digital é oportunidade que deve ser explorada para manter competitividade.
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Antigo secretário de Estado do governo de Passos Coelho e hoje professor associado na Universidade do Minho, Fernando Alexandre lamenta que o percurso da economia nacional nas últimas duas décadas não tenha sido "entusiasmante". Durante o evento promovido pela Caixa Geral de Depósitos (CGD), no Funchal, lembrou que o PIB per capita português representava, no início do século, 85% da média europeia. "Desde o ano de 2000 entrámos num processo de divergência e de baixo crescimento que trouxe o PIB per capita para 74%", apontou. De facto, segundo os dados do Eurostat, este foi, em 2021, o sétimo valor mais baixo entre os 27 Estados-membros. "Para conseguirmos entrar num círculo virtuoso que consiga inverter o cenário temos de atrair talento", acredita.

A receita não é nova, mas tem sido difícil de concretizar: recursos mais qualificados constroem uma economia de maior valor acrescentado. Porém, tal como na cozinha, o tempero e a correta conjugação dos ingredientes são uma parte fundamental do processo. Aplicado ao tecido empresarial de Portugal, significa, por exemplo, que não basta ter trabalhadores especializados - é preciso garantir que também os gestores têm qualificações e que os modelos de trabalho das organizações favorecem a produtividade. "A gestão é fundamental. Temos um aumento das qualificações dos gestores e dos trabalhadores, mas a produtividade é praticamente a mesma. Essa é a questão em que temos de nos concentrar, isso é um desperdício de talento", reforça o doutorado em economia.

O estudo que coordenou para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, Do made in ao created in, mostra precisamente que, em 2018, apenas um terço dos líderes empresariais tinham formação ao nível do ensino superior. Nas pequenas e médias empresas, a percentagem passava os 40%. Tudo isto é importante para o crescimento das empresas, mas sobretudo para o aumento do valor acrescentado que geram na economia e na capacidade que têm para entrar em novos e mais exigentes mercados externos. Por outro lado, a dimensão das empresas também é um fator que influencia a produtividade. "A dimensão é importante. Quanto maiores são as empresas, maior é a sua capacidade de serem mais eficientes e aproveitar a escala", explica.

Como ferramenta de combate aos desafios do contexto económico, o talento será fundamental para as organizações abraçarem a transição digital e as oportunidades que com ela chegam. "Estando no Atlântico, podemos ter uma centralidade muito importante, mas o lugar que vamos ocupar vai depender da capacidade de utilizarmos a tecnologia", exemplifica o perito. Neste campo, o presidente da Região Autónoma da Madeira (RAM), Miguel Albuquerque, garante que o arquipélago está a criar "escolas do futuro" com ensino de tecnologia para enfrentar, com sucesso, "este novo mundo" que está mesmo ao virar da esquina.

"Temos de apostar numa linha de rumo para criar riqueza", diz, elencando logo de seguida o caminho: "temos de aproveitar esta geração e criar uma economia digital e de valor acrescentado para o país".

Considerada uma região ultraperiférica, a Madeira enfrenta desafios semelhantes aos sentidos pelas empresas do continente a que se sobrepõem custos de contexto mais elevados, nomeadamente por via do afastamento físico dos mercados e pelos preços do transporte de mercadorias. No debate que juntou, durante o Encontro Fora da Caixa, representantes do Grupo Savoy, Grupo Blandy, da Empresa de Eletri- cidade da Madeira (EEM) e da CGD, foram discutidos os impactos locais da realidade global. Para o CEO e produtor do tradicional vinho regional, Christopher Blandy, a subida do valor do vidro obrigou a uma reformulação da estratégia. "Não tem sido fácil [enfrentar a volatilidade nas matérias-primas]. De uma semana para a outra, o custo das garrafas ia subir 45%", contextualiza.

Os esforços na negociação com os fornecedores permitiu evitar o disparo dos custos de produção e limitar o impacto a um aumento de 12%, em grande parte devido a um aumento substancial na quantidade de produto armazenado. "Temos stocks de garrafa e de caixa suficientes para satisfazer encomendas até ao final de março", garante, realçando que a decisão implicou "um grande esforço financeiro". O desafio nos próximos meses será perceber como "gerir esta situação do ponto de vista da rentabilidade do negócio", até porque é "difícil" aumentar o valor de venda ao consumidor no segmento de entrada. "A gama de entrada é mais sensível em termos de mexida de preço. No segmento alto conseguimos refletir", esclarece.

Mas o mundo em transformação de que falava Miguel Albuquerque implica, também no Grupo Blandy, uma maior aposta no digital como mais uma forma de aumentar a competitividade. O primeiro passo foi "fazer um levantamento do posicionamento digital" atual para avaliar quais as competências que faltam à empresa para ser bem-sucedida neste objetivo. "Estamos a reforçar os recursos humanos em áreas em que temos menos competências", detalha, acrescentando que, dada a escassez de talento no mercado, a requalificação das equipas será também uma ferramenta importante.

Bruno Freitas, administrador do Grupo Savoy, adianta que na Região Autónoma os preços da energia são regulados pela entidade reguladora, limitando o aumento abrupto dos preços, mas que, ainda assim, há hoje mais despesa no negócio da hotelaria. "Ao nível das matérias-primas, ao nível da proteína animal temos aumentos de 30%", refere. No que respeita à energia, o efeito é "atenuado" pela regulação. Francisco Taboada, presidente da EEM, assegura que "o drama a que se assiste nas empresas de consumo intensivo no continente não existe na Madeira". A aposta na digitalização das redes e o investimento em energias renováveis permite preparar um futuro mais eficiente no arquipélago, diz.

Quer a Blandy, quer a Savoy mantêm planos de investimento para o próximo ano que não serão colocados em suspenso apesar da incerteza da economia. No caso do grupo hoteleiro, a "cautela" na definição do orçamento para 2023 não impede a procura por oportunidades no continente, "provavelmente em Lisboa". Christopher Blandy, por sua vez, junta à aposta nos canais digitais o aprofundamento das relações comerciais com os Estados Unidos, o principal mercado do Vinho Madeira. Ao contrário do que sucedeu na crise financeira de 2008-2011, em que "os bancos viram-se obrigados a cortar crédito aos clientes", Francisco Cary, administrador executivo da CGD, diz que desta vez será possível "trabalhar com as empresas para mitigar os impactos [do contexto]" e continuar a apoiar o seu crescimento. "O conselho para os empresários é encararem o futuro com confiança, mas com a cautela", remata.

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