Assis mais isolado. PS mais crítico da União Europeia

Foi um dia em que só o eurodeputado desafinou do elogio à solução governativa encontrada por António Costa. O congresso socialista assistiu a uma sucessão de discursos de defesa dos acordos à esquerda e críticos em relação à Europa
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À última hora, Sérgio Sousa Pinto decidiu que afinal não discursaria perante os delegados do XXI congresso nacional do PS. Com esta decisão, o número de críticos de topo no partido aos acordos de esquerda a fazer-se ouvir na reunião máxima dos socialistas ficou reduzida exatamente a metade. Eram dois, ficou um. Mesmo tendo ficado absolutamente isolado - e, como disse, "a solidão política reveste-se sempre de alguma crueldade" - Francisco Assis levou a sua avante.

No púlpito, perante uma audiência em que uns lhe devotaram suaves assobios e outros suaves aplausos - mas que no essencial o ouviu com atenção - o eurodeputado e ex-líder disse que estava a discursar em nome de um "indeclinável dever de lealdade", porque a lealdade está no uso da "palavra com clareza" e não no silêncio ou no "encómio interessado". O eurodeputado não foi de meias palavras: o entendimento de governo entre o PS e os partidos parlamentares à esquerda representa "uma aliança contranatura" e essa ideia "radica numa constatação elementar: em tudo o que é essencial divergimos do PCP e do BE". E além do mais sente-se no PS - cujo governo vive uma "liberdade muito condicionada" - um "lento resvalar" para um certo tipo de discursos tributários de um novo "vírus ideológico", o vírus do "neopopulismo antieuropeu". Assis já tinha dito numa entrevista DN/TSF que não votara em António Costa nas diretas que há duas semanas o reelegeram secretário-geral e, consequentemente, continuará fora dos órgãos nacionais do partido. Sérgio Sousa Pinto, pelo contrário, estava fora desde que se demitiu do secretariado nacional, há sete meses, mas agora irá regressar, à comissão nacional, órgão máximo entre congressos, por convite de Ana Catarina Mendes (ver entrevista).

Antes de Assis, o congresso assistiu, no essencial, a uma sucessão de discursos de defesa dos acordos à esquerda - tal como no primeiro dia voltaram a ouvir-se aplausos dos delegados a Jerónimo de Sousa, por via de um elogio que lhe fez Manuel Alegre. Quando muito, houve discursos distanciados da "geringonça" - por parte de "seguristas" como Álvaro Beleza ou Eurico Brilhante Dias - mas que em momento algum a atacaram. Os dois limitaram-se a pôr em cima da mesa a exigência de cumprimento do programa eleitoral do PS. Porque "palavra dada é palavra honrada", explicou Brilhante Dias, usando o dito popular que António Costa não se cansa de repetir.

Tal como Assis alertou, os sucessivos elogios à plataforma de esquerda foram de facto muito acompanhados de um discurso cada vez mais crítico em relação à Europa - um fenómeno em crescimento no PS, o partido historicamente mais empenhado no ideal europeísta dos partidos com assento parlamentar. "PS significa Partido Socialista, não significa Partido Europeísta", afirmou o deputado João Galamba, hoje o principal porta-voz económico do partido e uma das suas vozes mais ativas no espaço público das redes sociais.

O euroceticismo crescente no PS teve em Manuel Alegre, ontem, o seu mais destacado interveniente. Soberanista assumido desde sempre, o histórico socialista vê nos acordos de esquerda talvez o princípio de algo diferente no resto da Europa: "Este governo tem uma base sólida e talvez seja uma inspiração para outros países" e o acordo das esquerdas foi "um ato pioneiro na Europa porque desafia o pensamento único". Nos antípodas de Assis, Alegre não quer menos acordo na esquerda, quer mais, tendo aproveitado para pedir um "reforço da convergência" e muita "atenção" do PS para que se cumpra a "esperança" entretanto devolvida aos portugueses.

Já o antigo secretário-geral socialista, Ferro Rodrigues, afirmou que com a chamada geringonça, "o PS recusou o papel de servir soluções que lhe são estranhas e que foram rejeitadas pela maioria dos eleitores, a começar pelos eleitores socialistas". "O que sentiriam os eleitores que confiaram o seu voto" numa nova política, questionou o presidente do Parlamento, que recuperaria uma frase de Costa: "Se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governa."

"O Estado social tem de ser a nossa linha vermelha. Há uma combinação explosiva entre efeitos da austeridade no Sul da Europa e o medo da imigração a norte - efeitos que têm feito encolher os partidos centrais do sistema político, em particular os da nossa família política", apontou ainda.

O único adversário de Costa nas eleições diretas, Daniel Adrião, defendeu também "que este é um bom governo". "É preferível uma geringonça que possa ter algumas deficiências do que uma máquina trituradora, que foi o que a direita representou ao longo dos últimos anos em Portugal", sublinhando que o PS segue "fiel à sua matriz fundacional, pois sempre foi um partido de esquerda, da esquerda democrática, naturalmente". Para Adrião, "o PS não é um barquinho de recreio, é um porta-aviões" que agrega muita gente, traz muita gente atrás de si, "é um partido de banda larga".

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